Hoje, enfim, ontem, se passou mais um 11 de Setembro. Enquanto escrevo, tenho a TV ligada na MTV, onde grupos musicais vão desfilando no projeto “React Now”, para apoio às vítimas do furacão Katrina. A precariedade da vida humana cada vez mais me faz pensar sobre o sentido de tudo isto. Afinal, que estamos nós fazendo aqui?
Mas hoje não quero seguir por aqui.
Ontem, resgatei de casa de meus pais um livro de Jorge de Sena: “40 anos de servidão”. Sena, poeta já falecido há quase 30 anos, viveu em exílio grande parte de sua vida.
De acordo com o prefácio de sua viúva, Mécia de Sena, a servidão do título se refere à servidão poética.
Aqui transcrevo alguns dos poemas integrando esse livro.
“DÍSTICO
O viver que grita muito não diz nada.
A morte ao dizer tudo é bem calada.
8/7/38”
“«DRUMMOND FAZENDEIRO»
Drummond, fazendeiro
do ar, mas bem sentes
que as dores da poesia
são as evidentes.
8/2/55”
“«NEL MEZZO DEL CAMIN»
I
Quarenta e dois… Provavelmente já
vivi mais de metade a minha vida.
Provavelmente até, em mim escondida,
não como inevitável, mas guarda-
do fim com que termina tudo, está
a morte a me roubar da consentida
afirmação de que se finge a vida.
Provavelmente, não verei o que há
Além do tempo que me é dado. Não
assistirei às pompas da vitória.
Mas, se eu morrer de raiva, como cão
a que é negada a própria liberdade,
provavelmente não terei memória
de quanto a vida só me foi saudade…
II
…de tudo, sim. Não me contento nunca.
Não me contentarei. Mesmo que eu visse
mordendo a lama a secular canalha,
dona de tudo; e mesmo que ainda visse
liberta e justa a sórdida espelunca
de bancos e palácios, catedrais,
em que a arrogância dela se esparralha
- não me contentaria. Porque há mais
que mesmo dessangrados não vomitam:
os séculos roubados e mentido,
os corpos mortos de prostituídos,
o esgar humano com que humanos fitam.
E nem morte nem vida podem mais
do que apagarem sem deixar sinais.
30/1/62”
“NO PAÍS DOS SACANAS
Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos o são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para fazer funcionar fraternamente
a humidade da próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.
Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?
Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.
10/10/73”
segunda-feira, setembro 12, 2005
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