quarta-feira, dezembro 01, 2004

Caiu...


Pedro pisou a bola uma vez. Pisou a bola outra vez. Voltou a pisar. Tanto pisou, que o Presidente encheu. E Pedro Santana Lopes deixou de merecer a sua confiança e o Governo caiu.
Nestes quatro meses (que pareceram quatro anos), foi tanta a trapalhada, tanto o diz, o desdiz e o rediz, que não parecia possível que fosse verdade estarmos olhando para um Primeiro-Ministro e para sua equipe governativa.
As eleições serão lá por alturas do Carnaval. Veremos depois para que lado penderá o poder...

terça-feira, novembro 30, 2004

Angels in America


Eu deveria estar prepararando o meu trabalho para amanhã, mas decidi escrever sobre "Angels in America".
É uma surpresa. Primeiro, pelo tema. Depois, pelo tom. Finalmente, pela qualidade. E agora sim, por último, por ser feito para televisão. Afinal, há mais para além do Big Brother...
Já é a segunda vez que passa aqui na TV (no canal com menor audiência, é certo) e hoje quase que comecei a ver desde o início. Da sua primeira passagem, só apanhei algumas metades. Não creio que consiga ver muito mais nesta segunda passagem (conto vingar-me quando for editado em DVD...) mas, nesta nova "re-edição" o fascínio se manteve.
A cidade é Nova Iorque. O ano é 1985 e a AIDS está surgindo para o mundo, ainda colada a homossexuais e drogados. E é a um homossexual, que vive com seu companheiro, que surgem os primeiros vestígios: as lesões do sarcoma de Karposi. É a morte anunciada que vai estabelecer o frágil (des)equilíbrio do par.
Aqui se misturam gays, judeus, mormons, gays judeus, gays mormons, advogados, poder, doença, morte... e anjos.
E alucinações e sonhos. Que se misturam e visitam mutuamente. Para se fazerem revelações.
Os diálogos não são diretos, não são simples. Melhor, não são simplistas. Nos vão deixando suspensos das palavras e envolvendo naquelas vidas, naqueles personagens.
As referências podem parecer rebuscadas mas não são gratuitas. Exemplo: estendido no sofá, vemos aquele a quem foi diagnosticado o sarcoma dormitando, com uma biografia de Cocteau sobre o peito. O livro não está ali por acaso porque na cena seguinte, a preto e branco, ele está entrando por um corredor iluminado por candelabros. Estes candelabros estão suspensos das paredes, empunhados por mãos humanas, que lhe vão permitindo a passagem. Como no palácio do Monstro do filme de Jean Cocteau, "La Belle et la Bêtte" (filme que me deixou fascinado da primeira, e única, vez que vi e que me irei oferecer neste NataL...). Ao fundo do corredor, já a cores, um "boudoir", onde ele, travestido como se fosse a Gloria Swanson do "Cepúsculo dos Deuses", pede ao senhor DeMille para começar... A cena depois evolui e entra uma outra personagem que, na sua alucinação de "valium", entra num sonho alheio... e onde recebe e faz revelações. E uma frase (do sonhador): "I usually say 'Fuck the truth', but it's usually the truth that fucks you..."
Da primeira passagem recordo que a morte estará sempre presente. Bem como os anjos e os fantasmas, reais para quem os vê.
Parece um produto televisivo atípico: não é dramático, tipo "caixa de Kleenexes no braço do sofá", mas tem humor, sem ser uma comédia. É amargo, com um tempero de ironia. Tem excelentes atores, que aqui se mantêm excelentes (Al Pacino, Meryl Streep, Emma Thomson, só para referir aqueles que eu mais facilmente identifico). Tem uma boa fotografia e a banda sonora cria bem o clima.
Espero não perder o segundo episódio... que parece que vai ser já amanhã!

segunda-feira, novembro 29, 2004

The Incredibles


Hoje, uma das minhas raras oportunidades de ir até ao cinema. Para gozo meu e da minha filha, cada um ao seu nível, claro. Ótimo filme! A não perder. Estória divertida, ao nível das boas comédias retratando famílias de classe média norte-americanas, em paralelo com a ação dos filmes de super-heróis. Banda sonora muito "jamesbondiana", criando bem o clima. Excelentes cenários "tecno".
Repito: a não perder.

domingo, novembro 28, 2004

Estrela


Hoje, graças a uma festinha de aniversário, foi um dia com três horas de "programa livre".
O dia começou triste e foi sempre triste até chegar a noite. O sol não brilhou um só minuto, sempre escondido atrás de nuvens cinzentonas. E ia chovendo, de quando em vez. Mas não era chuva a sério. Eram umas gotas, esparsas, que iam caindo aqui e ali e que não mereciam o esforço de abrir o guarda chuva. Neste cenário cinzento, com a noite antecipada, deixei minha filha na festinha e fui vaguear pelas ruas.
Cheguei a um enorme jardim, o Jardim da Estrela, e me fiquei pelo primeiro lugar coberto que encontrei, onde me pude sentar, beber um café, e ler um pouco. Aproveitei para continuar com a minha leitura de "Oracle Night", de Paul Auster.
Comecei por beber um café e acender um cigarro (aproveito para fumar sempre que estou longe da minha filha...). Depois, tirei o livro do bolso interior do blusão e comecei lendo. Lá fora, a noite chegava rápido, o que facilitava a concentração. E chegou uma altura em que não sabia se ainda estava em Lisboa, se estava em Nova Iorque ou em Kansas City. "Toto, I think we're not in Kansas anymore..." É o fascínio que nos trazem os livros. De repente, estamos, mas já não estamos.
Interrompi a leitura porque já estava sentindo frio. O Outono por aqui já vai refrescando.
Sábado, pouca gente se vê na rua. A animação está mesmo nos shoppings. Nas ruas, fracamente iluminadas, praticamente ninguém. Por algumas janelas ia escorrendo uma luz amarelada, que aumentava ainda mais a sensação de noite escura.
Esta zona de Lisboa é bastante antiga. Alguns prédios, com marcas de ruína, contrastavam com outros, também antigos, mas com sinais de obras de manutenção recente. A certa altura, me senti como se estivesse passeando num velho teatro fechado, por entre cenários abandonados. As (poucas) pessoas com que me cruzava eram atores em busca de um papel. Sem texto, sem conhecerem as suas marcações nem as suas deixas, vagueavam no palco. Não sei quem se sentia mais perdido, se eu ou eles. Lisboa ou Kansas?
A irrealidade do cenário era acentuada pelo contraste da Basílica da Estrela, iluminada, recortada contra o céu negro, que insistia em deixar cair as suas gotas de chuva.
Chegou depois a hora de ir buscar a filhota. A próxima festinha será já na quarta-feira. Talvez dê para vaguear durante mais umas horas...

sexta-feira, novembro 26, 2004

Faina


Mais uma noite de faina...
O jantar foi todo fora às duas da manhã... depois, foi a limpeza do chão do quarto. Felizmente, não tenho alcatifas ou tapetes, e as coisas ficam um pouco mais fáceis. Mas enquanto eu vou limpando, ela fica ali, na cama, com o seu ar indefeso, aguardando um pouco de atenção...
Agora, já dorme...

terça-feira, novembro 23, 2004

Austeridade


(não resisti ao trocadilho...)

Há dias tive o meu momento "austeriano". Para quem conhece a Trilogia de Nova Iorque (lamento não ser mais preciso, mas estas referências são de memória), entenderá o que se segue.
Toca o celular. Atendo. "Estou sim?..." Do outro lado: "Ah, pela voz, já vi que não é o A.". "Não, não, é engano." "Oh, peço desculpa". Desligamos. No minuto seguinte, volta o celular a tocar. A mesma voz. "Não entendo o que se passa. Este é o número que eu tenho...".
E de repente, me senti nessa estória do Paul Auster (se bem me lembro, a primeira da trilogia), em que um simples telefonema, por engano, desencadeia uma série de acontecimentos...
Também eu estava à espera que os acontecimentos se fossem desenrolando a partir daí.
O celular de novo. Atendo. "É o A.?" A voz era diferente. "Não, não, é engano". "Oh, peço desculpa".
Toca de novo. Identifico o número como sendo o do anterior telefonema e já não atendo.
E continuo a pensar no Paul Auster.
Ainda toca mais duas vezes. Não reconheço os números e não atendo.
Toca mais uma vez. Desta vez, é A. Pede-me desculpa pela série de telefonemas e explica então que, inopinadamente, sem entender como, as chamadas que eram feitas para o seu celular estavam a ser reencaminhadas para o meu. Rimo-nos os dois e falei-lhe desta sensação "austeriana". Ele riu-se novamente. E aproveitou para me aconselhar o último livro de Auster: "Oracle Night". Por coincidência, eu havia comprado o livro no dia anterior (edição paperback da Faber and Faber, porque a edição traduzida é o dobro do preço...), depois de haver lido a crítica que A. havia publicado num jornal. Aproveitou ainda para me aconselhar outro livro: "A Sombra do Vento", do catalão Carlos Ruíz Zafón. Será a próxima leitura, quando terminar "Oracle Night".
Claro, de seguida combinámos, ou melhor, falámos em combinar um encontro para breve, para podermos por nossos assuntos em dia. Veremos quando será possível...

segunda-feira, novembro 22, 2004


Os sinais estão aí. O drama está em não conseguirmos interpretá-los...

quarta-feira, novembro 17, 2004


Hoje, já não teve febre. Amanhã, escola!

terça-feira, novembro 16, 2004


A febre continua. Hoje às nove da noite tinha 38. Durante a tarde, falei com a pediatra e, atendendo ao quadro clínico que eu lhe tracei, inclina-se para uma virose, dessas que por agora pululam por aí. No entanto, estar sempre alerta para outros sinais.
Mesmo agora a ouvi falar. Devia estar sonhando, porque a encostei de novo para a almofada (ela estava sentada na cama) e continuou dormindo.
Amanhã, não irá de novo à escola...

Clausura


Este foi um fim de semana de quase completa clausura. Ainda conseguimos cumprir nossas rotinas de sábado de manhã, mas de tarde, pouco antes de sair para a aula de natação, minha filha estava com quase 40 de febre. Mas continuava bem disposta! (daí o alerta ter sido tardio...)
Claro, já não fomos a lugar nenhum. A noite foi meio complicada. Apesar do Brufen xarope, a febre teimava em não desaparecer por completo. Entre as onze da noite e as duas da manhã, ainda se levantou duas ou três vezes para ir ao banheiro. Às duas, a febre estava alta de novo. Mais Brufen. Vomitou e tive de repetir a dose. Acalmou e adormeceu. Acordou novamante às cinco. Fui deitá-la e fiquei com ela, ao lado da cama, até perto das seis. Por volta das oito, foi acordar-me. A febre já não chegava aos 39, e levou nova dose de xarope. Desta vez, Ben-u-ron. Deitei-a comigo, para ver se ambos tínhamos algum descanso. Mas foi só até às dez. Já estava mais animada e queria ver o Shrek. Pu-la a ver o Shrek e fui de novo para a cama. No final do filme, foi-me chamar. Nessa altura, comecei a pensar no almoço. Felizmente, tinha hamburgueres na geladeira. Já o tinha preparado para o jantar de sábado mas, como não o tinha comido, sobrou para o almoço de domingo. Só fiz meio hamburguer e ela só comeu metade. Mas comeu uma banana. Tentei convencê-la depois a dormir, mas sem sucesso. Entretanto, com a febre mais baixa, repeti a dose de Brufen. A meio da tarde, quis queijo. Às seis da tarde, a febre já não chegava aos 38, mas repeti o Brufen. Ao jantar, já comeu meio hamburguer. E mais uma banana. Nova sessão de Shrek e foi dormir às onze. São quase duas e ainda não acordou. Desta vez, não lhe dei Brufen. Vamos ver como vai ser o resto da noite. Mas já está decidido: amanhã (mais logo), não vai à escola. Terça-feira se verá.

E agora o blogger não quer me deixar postar... tentarei amanhã...

segunda-feira, novembro 08, 2004


Mais um domingo passou. E eu continuo sem rumo. Por vezes nada parece ter solução. Outras vezes, tudo parece solucionado. Outras ainda, nada parece fazer sentido. Preocupações para quê? Alguma coisa faz, realmente, sentido?

sexta-feira, novembro 05, 2004


Mais um dia em que fico quase em silêncio...
Mas hoje explico. Como habitualmente, jantei tardíssimo. E quase perdi o início de um dos melhores seriados (na minha humilde opinião, claro) que está passando na TV: CSI (Crime Scene Investigation). E depois se seguiu "Sex and the City". Mesmo a propósito, já se podem comprar duas colectâneas com as músicas deste seriado. Claro, se chama "Sex and the City", e tem duas versões: uma para a noite e outra para o dia. Editora: Irma Records.
E é mais uma semana que está quase no fim.
Estou com sono.
Vou dormir.

quinta-feira, novembro 04, 2004


A Conspiração do Natal já está por aí. You can run but you can't hide...

quarta-feira, novembro 03, 2004


Eleições americanas. Muito se vai falando, já. Até ao momento, e por aquilo que já vi na TV, Bush está ganhando. Às vezes apetece dizer que a eleição daquele presidente é um assunto demasiado sério para ser deixado nas mãos dos americanos...

terça-feira, novembro 02, 2004

O tempo vai passando e o blog continua vazio. Não por falta de motivo. Acho que é cansaço mesmo. Quando chega a altura de ligar o computador e de escrever... ele permanece desligado e eu adormeço no sofá. E quando acordo já são sete da manhã! E mais um dia se passou em silêncio. Bloguístico, claro.
Durante o dia, penso em vários assuntos. Na minha cabeça, vou alinhando as palavras, vou alinhavando os textos. Talvez por isso, comprei um moleskine. E também para dar uma de intelectual... acho. Mas agora que tenho o livrinho, de capa preta e que permite ir acumulando papéis vários (pois tem um elástico que o mantém fechado dentro de qualquer bolso), acho que o primeiro passo do blog passará por ele. Claro, falta depois o segundo passo, de pôr a minha escrita em formato digital. Veremos como irá ser.
Entretanto, reparei que uma livraria que se chamava Clepsidra, se transformou em Zen. O que se terá alterado? E nem um ano se passou desde a inauguração da primeira! Bem, pelo menos não se tornou numa loja de produtos chineses (e espanhóis, de baixo valor...). Quanto tempo irá durar esta livraria Zen?
Entretanto, a minha filhota me tem permitido retomar o contacto com o Lego. E isso me tem levado a resgatar as minhas peças mais antigas de caixas já há muito tempo arrumadas. E tenho uma boa desculpa para voltar a brincar como há muito tempo não fazia. Agora, com a vantagem de não estar dependente de aniversários ou natais para ter mais peças para poder continuar com as brincadeiras. E é uma ótima sensação poder construir, destruir, reconstruir, sem qualquer outra justificação que não seja a de o poder fazer...

domingo, outubro 10, 2004

Marcelismo


Cada vez mais, este país se parece com aquilo que nunca parece ter deixado de ser: uma choldra...
Em Portugal, existe um professor de Direito que está na política “desde sempre”. Umas vezes como ator, outras como analista. Já foi líder do partido que está agora no Governo (o PSD) e, após ter abandonado a liderança desse partido, fazia análise política numa estação privada de TV (a TVI) há mais de quatro anos. Este professor se chama Marcelo Rebelo de Sousa.
Pois na segunda-feira, o Ministro dos Assuntos Parlamentares (desta vez, talvez dos “Assuntos Para Lamentar”), em plena Assembleia da República, o nosso Parlamento, acusou-o de “destilar ódio ao primeiro-ministro e ao governo” [transmistindo sistematicamente] “um conjunto de mentiras com desfaçatez e sem qualquer vergonha”. Isto foi dito por um ministro.
As críticas de Marcelo eram ajustadas? Eram exageradas? O professor Marcelo criou um estatuto especial na política. Não fazia simples análise. Criava (bem, falo no passado porquê?), cria cenários, analisa-os, e sobre isso vai discorrendo. Perturba, por isso mesmo. Se torna incómodo a quem está no poder (qualquer que seja o partido) e tem responsabilidades no governo deste pequeno retângulo.
Pois depois da intervenção do ministro (não me recordo do nome dele), o patrão do grupo que possui a TVI teve uma conversinha com ele e, desde então, Marcelo disse que terminava a sua colaboração habitual dos domingos.
Este fato levou a que, desde a oposição até elementos mais críticos do seu partido (que, recordo, está no poder), se falasse de perigosa ingerência na pluralidade de informação. Resumindo: a censura está aí.
Sem Justiça (uma vez que os Tribunais não funcionam), com “censura” no ar, será que ainda se pode falar num Estado Democrático? Trinta anos depois da Revolução, o conceito de Democracia parece ainda se resumir a colocar um papelinho com uma cruz dentro de uma caixa de madeira, de tempos a tempos. Essa cruz escolhe uma de diversas opções. E a opção é feita entre os partidos que, em campanha, vão fazendo promessas que sabem não ir cumprir uma vez chegados ao Poder...
Isto não é a Madeira, com o seu famoso “défice democrático”, mas parece que aqui no continente é um exemplo que parece querer frutificar...

Besta


Ontem, durante o almoço, me senti completamente besta. Entrei mudo e saí calado. Todo o mundo falando, falando, e eu sem entender bem o que se estava passando. E estavam falando de quê? Da "Quinta das Celebridades", uma espécie de Big Brother rural, feito com gente (supostamente) célebre. Até o Alexandre Frota faz parte da pandilha!
Mais, não sei dizer...

Martim Regos


Esta semana, fui convidado para o lançamento de um livro: "A Lenda de Martim Regos". Não seria nada de especial (bem, ser convidado para um evento social já é algo especial...) se não fosse o caso deste livro ter sido escrito por um amigo meu: o Pedro. Gostaria muito de dizer que fui cúmplice deste romance. Infelizmente, quando ele me pediu para dar uma opinião, ainda sobre o original, não me organizei para poder ler com atenção e opinar.
Hoje, passando na FNAC do Colombo, vi o livro em grande destaque.
Estranha coincidência: o Expresso começa agora a publicar, em 10 volumes, durante dez semanas, a “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto. Farei o exercício da comparação?

Flash


Será que o Verão já se foi de vez?

terça-feira, outubro 05, 2004

Calor


Calor
Outubro já começou, mas o calor continua. Hoje, mais um dia com os termómetros a ultrapassarem os 30ºC. É bom. Mas as roupitas que se vêem nas montras, já da coleção de inverno, ficam meio desenquadradas. Depois das férias, acabados os saldos, dá vontade de comprar coisas novas. Mas calor e golas altas não conjugam... e o calor parece ainda maior olhando para as montras!
Mas esta vontade de comprar tem mais um fator de condicionamento: o início das aulas. Foram muitos anos estudando, e fui ficando condicionado. Outubro: mês de cadernos e livros novos, lapiseiras, borrachas e esferográficas. E eu não consigo resistir. Especialmente ao cheiro do papel. E ao ruído das folhas novas quando as folheamos. Eu não preciso de nenhum caderno, porque não tenho nada com que o preencher. Agora, é tudo aqui. Mas, pelo menos, um caderno, tem de ser. E uma ou duas esferográficas. E talvez uma lapiseira. E talvez um bloco... eu não consigo resistir...

segunda-feira, outubro 04, 2004

Conceito, pré-conceito e preconceito


Ou de como se transforma a utilidade num empecilho...
Conceito - fundamental existir. Um conceito nos permite saber, com precisão, do que estamos falando. Diariamente, tropeçamos em palavras que exprimem idéias, mais ou menos subjetivas. E quando julgamos que estamos todos falando sobre a mesma coisa, eis que nos apercebemos que sob a mesma palavra estamos falando de coisas diferentes, por vezes, opostas! Aí, paramos, e definimos: a partir de agora, quando falarmos disto, estaremos pensando nisso. Pronto, foi estabelecido o conceito: a partir daí, estaremos todos pensando no mesmo.
Pré-conceito - todos temos os nossos. Para entendermos o mundo, para construirmos o nosso mundo, vamos tendo estes "tijolos". Podemos estar certos ou errados, mas são os nossos tijolos. Mas estes tijolos vão ter que se encaixar nos tijolos dos outros. Daí a necessidade de existir alguma plasticidade nestas nossas construções. Quando essa plasticidade falha, quando deixamos de querer encaixar com os outros mas passamos a exigir que os outros encaixem connosco, passamos a ter preconceito.
Preconceito – é a cristalização de nossos pré-conceitos. Quando digo nossos, não digo que fomos nós que os criámos, apenas que nos apropriámos deles. Preconceito não constrói, destrói. Em vez de ir “ao encontro de”, vai “contra”. Preconceito estabelece fronteiras e não permite variações. Cria os filtros pelos quais vemos, ouvimos, sentimos. Libertam-nos de qualquer ação, nos tornam passivos. Assim, acabar com o preconceito terá sempre de partir de nós.

quarta-feira, setembro 29, 2004

Regresso?


Por vezes, a vontade de escrever está presente, mas outros fatores importantes parecem se ausentar: tempo, disposição, momento... e depois? Depois, dia após dia, o blog permanece vazio. Comatoso. Está lá mas não está. No entanto, do lado de cá da tela, a vida vai correndo. São zangas, preocupações, ansiedades, desesperos, depressões, alegrias, alergias (não resisti a este trocadilho, só para tirar o ar sério que o texto parece querer levar. Pois é. Somos nós que levamos o texto ou o texto que nos vai levando? Frente ao teclado e à tela em branco, não sabia muito bem o que iria escrever. Agora, as palvaras se vão sucedendo, parecendo até que eu tenho alguma idéia onde irei terminar...)
Um destes dias tive vontade de parar e de me sentar à margem da vida, vendo-a passar. Como fazemos na margem de um ribeiro. Mas um ribeiro correndo não pára na margem. Se pára, fica estagnado. E a água estagnada não é uma boa água...
Depois, vi-o. Vinha andando devagar, subindo a Rua do Crucifixo. Seria mais natural encontrá-lo na Rua dos Douradores, mas não. Ali estava ele, com passinhos curtos, como se um passo um pouco mais largo lhe fizésse doer alguma coisa. Mais espalhafatoso, logo atrás, vinha o Engenheiro. Que se aproximou dele e o abraçou por trás, surpreendendo-o. O chapéu de feltro até lhe caiu para o chão, apesar do esforço que ele fez para o apanhar no ar. Soltou um imprecação, certamente, porque o Engenheiro ria, ria... Apanhou-lhe o chapéu, limpou-o e devolveu-lho. Entraram depois numa casa de pasto.
A água continuava correndo.

terça-feira, setembro 14, 2004

Brincadeira



AAccurate
LLuxurious
EExtreme
XXtRemE

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segunda-feira, setembro 06, 2004

Fim de rotina. Início de rotina...


Terminou a rotina das férias.
Se inicia a outra rotina...

Não são as "Chuvas de Março", mas meu Verão já está se fechando.

sexta-feira, agosto 13, 2004

Intervalo


Afastado da tecnologia, este é quase um mês de jejum bloguístico...
Até breve.

quinta-feira, julho 29, 2004

Um divertimento



Deparei-me há dias com um divertimento musical. É um projeto e o nome do CD: “Nouvelle Vague”. “New Wave” em francês…
Uma dúzia (mais uma) de músicas já com (céus!) cerca de 20 anos recriadas num estilo electro-bossa-jazz, no espírito “antenniano” do “Camino del Sol” (também dessa altura).
Joy Division (“Love will tear us apart), Depeche Mode (Just can´t get enough), The Cure (A forest), XTC (Making plans for Nigel), The Clash (Guns of Brixton), Dead Kennedys (Too drunk to fuck) são alguns dos grupos e temas recriados.
A idéia não é nova, basta lembrar o Señor Coconut e a sua tradução em ritmos latinos de temas dos Kraftwerk. Mas o resultado é igualmente gostoso. Claro que os puristas poderão torcer o nariz e soltar invectivas a tamanho abuso, mas perdoa-se a “profanação” dos temas e das memórias que eles nos trazem pelo ambiente que agora recriam…

terça-feira, julho 27, 2004

Aniversário



Já se passou um ano e eu nem dei conta...

Canícula


Praça de Espanha. 09:15. 30º C.
Praça de Espanha. 18:45. 35º C.

E neste fim de tarde, o cheiro a madeira queimada.
Este país continua a arder...

domingo, julho 25, 2004

Pés



Hoje, me lembrei de falar sobre pés. E isto porque gosto de andar descalço.
Ninguém espere encontrar aqui referências a fetiches. (Fetiche. Palavra engraçada, esta. De origem, é uma palavra portuguesa: feitiço. Importada pelos franceses, se transformou em “fetiche”. Reintroduzida para esta nossa língua, ganhou autonomia e a especificidade de algo que se transforma de “operativo” (feitiço) em “objeto” (fetiche), com conotações mais ou menos sexuais).
Também ontem vi uma notícia sobre o restauro da estátua de David, retirada da pedra por Miguel Ângelo há já algumas centenas de anos. E apresentavam a foto daquele pé enorme…
Depois, porque me faz confusão ver quem use havaianas com salto! Realmente, os pés e respectivo calçado podem dizer muito sobre a cultura dos povos.
Recordo que quando estive em Helsínquia, capital da Finlândia, me causou espanto um sinal junto a umas escadas rolantes: era um daqueles sinais de proibição (redondo, com bordadura a vermelho e risca oblíqua também vermelha) onde, a negro, mostravam um pé descalço. Entre outros sinais, havia ainda um outro de proibição de utilização por quem calçasse patins em linha. Vendo esse sinal, passei a ficar mais atento. Porquê o pé descalço? (Aqui nesta cidade, numa livraria – desenhada por Alvar Aalto, famoso arquiteto – encontrei uma moça que falava português! Em nenhuma livraria daqui vou encontrar alguém a falar finlandês...) E comecei a ver pessoas andando descalças pelas ruas. E não tinham botas ou sapatos a tiracolo para calçar depois. Não. Dava a idéia de que tinham saído de casa assim mesmo. E não pareciam ter problemas financeiros! Era opção mesmo. Apesar de ser um país escandinavo (para mim, Escandinávia é sinônimo de frio…), enquanto estive em Helsínquia (era Junho), a temperatura foi sempre muito agradável. E nessa altura, com tanta gente de celular pendurado no ouvido, até parecia que estava em Lisboa! Mas voltando aos pés, estar ou não calçado é, mais do que comodidade, uma questão de cultura.
Não faz muito tempo (e para mim, dizer “há trinta anos” está nesta categoria), especialmente nas zonas rurais daqui, todo o mundo andava descalço. Sapato era apenas colocado como manifestação de respeito pelo lugar aonde iam ou da pessoa com quem iam falar. Me recordo que quando visitava meus primos (no sítio), eles andavam sempre descalços. Só se calçavam pra ir à cidade ou para a escola. Eu, menino da cidade, fiz uma vez a experiência. As pedrinhas do caminho faziam doer meus pés. Mas eu fui resistindo. O problema era dar alguma topada numa pedra!
Depois, me lembrei da “História Trágico-Marítima” e do naufrágio de Sepúlveda (ou, por extenso, “Relação da mui notável perda do galeão grande S.João, em que se contam os grandes trabalhos e lastimosas coisas que aconteceram ao capitão Manuel de Sousa Sepúlveda e o lamentável fim que ele e sua mulher e filhos e toda a mais gente houveram na Terra do Natal, onde se perderam a 24 de Junho de 1552”). Recordava eu que a mulher havia morrido de vergonha por, simplesmente, ter ficado descalça. Fui confirmar. Leitura feita meio na diagonal, verifiquei que ela morreu de vergonha sim, mas por ter ficado nua. “(...) E vendo-se D.Leonor despida, lançou-se logo no chão, e cobriu-se toda com os seus cabelos, que eram muito compridos, fazendo uma cova na areia, onde se meteu até à cintura, sem mais se erguer dali. (...)”
Pés. Temos que tratar bem deles, para que eles não nos deixem ficar mal...

Choram guitarras



23 de Julho. Carlos Paredes libertou-se do corpo que encasulava o seu génio há cerca de dez anos. Choram guitarras.

É pena que a TV apenas se lembre de seus arquivos quando os ilustres deixam este lado dos vivos. Desde ontem, a RTP repescou antigos shows com e de homenagem a Carlos Paredes. Para além disso, vai passando pequenos clips. E nesses, pequenas pérolas. Especialmente uma, com cerca de trinta anos, em que Chico Buarque canta o seu “Fado Tropical” acompanhado por Paredes e Carlos Moniz (em violão). Causa arrepio...

domingo, julho 04, 2004

Sophia



2 de Julho de 2004. A partir deste dia, o correr dos dias deixa de registrar a sua presença junto a nós.
Mas suas palavras permanecerão connosco.
Neste momento, apenas dois poemas, ambos retirados de "O Búzio de Cós e outros poemas", de 1997.

"ARTE POÉTICA

A dicção não implica estar alegre ou triste
Mas dar minha voz à veemência das coisas
E fazer do mundo exterior substância da minha mente
Como quem devora o coração do leão

Olha fita escuta
Atenta para a caçada no quarto penumbroso"



"DEUS ESCREVE DIREITO

Deus escreve direito por linhas tortas
E a vida não vive em linha recta
Em cada célula do homem estão inscritas
A cor dos olhos e a argúcia do olhar
O desenho dos ossos e o contorno da boca
Por isso te olhas no espelho:
E no espelho te buscas para te reconhecer
Porém em cada célula desde o início
Foi inscrito o signo veemente da tua liberdade
Pois foste criado e tens de ser real
Por isso não percas nunca teu fervor mais austero
Tua exigência de ti e por entre
Espelhos deformantes e desastres e desvios
Nem um momento só podes perder
A linha musical do encantamento
Que é teu sol, tua luz, teu alimento"

Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, junho 27, 2004

Alguém aí?


Enquanto este país vê as vitórias da seleção, e nos dias seguintes revê esses mesmos jogos (eu cada vez admiro mais o Felipão, pela capacidade que ele tem de acreditar e de levar os outros a acreditar junto com ele...), o Governo deste país vai mexendo.
Ainda não entendi muito bem o que se está passando.
Recapitulando.
Dia 13, tivémos as eleições para o Parlamento Europeu. A coligação que sustenta este Governo obteve menos votos que o maior partido dessa mesma coligação havia obtido nas anteriores.
(Mas ao que parece, todos os partidos que estão no governo, por essa Europa fora, enfrentaram o mesmo problema).
Depois disso, foi aprovada uma Constituição para a Europa.
Entretanto, é necessário um Presidente para a Comissão Europeia.
Nunca anteriormente referido, eis que surge o nome de Durão Barroso, Primeiro Ministro deste país, como elegível para o cargo. Porquê? Não pelas suas qualidades, mas sim pelas suas não-qualidades! Qualquer juízo de valor é subjetivo, mas parece que ele é o menos mau dos possíveis. Havendo rivalidades antigas dentro deste continente, um português neste cargo parece ser uma solução suficientemente inócua para agradar a alguns e não desagradar aos restantes.
Para Durão Barroso, se aceitar (já aceitou? ainda não entendi direito...) é a fuga de um governo problema: sem soluções mágicas para a situação criada a 13, e com necessidade de mexer nos seus ministros para dar a ilusão de viabilidade ao seu projeto, larga a situação sem se queimar. E como este povo tem a memória curta, daqui a uns anos pode regressar com uma imagem ainda "limpa".
E agora, o que vai acontecer?
Bem, o que parece mesmo é que vamos ter de derrotar a Holanda para chegarmos à final...

sexta-feira, junho 25, 2004

Algarve


Aqui estou eu numa semana de intervalo de minha rotina. Algarve. Quase um enclave britânico neste retângulo ibérico. E enclave perigoso num dia como o de hoje, em que jogaram as seleções de futebol de Portugal e Inglaterra. Ali por Albufeira, no momento em que escrevo, a GNR faz quase um cordão de segurança separando apoiantes ingleses dos apoiantes portugueses. Ao que parece, as provocações são mútuas e convém que as coisas não degenerem em confrontos mais violentos...
De resto, tudo calmo por aqui. Estando num hotel, as reações dos vizinhos não são tão imediatas (mas eu ouvi alguns gritando quando a nossa equipe marcou seu primeiro gol...). Lá mais ao fundo, num dos bares da praia, alguém decidiu lançar algum fogo de artifício, daquele que os americanos costumam comprar para o seu 4 de Julho (será que este ano também teremos o nosso?).
A noite está calma. A lua já desapareceu do céu. O vento caiu e, se não é o mar que eu estou ouvindo ao fundo, é uma ilusão que eu tenho...

sexta-feira, junho 18, 2004

Antes da festa...


Quando joga a seleção, este país pára...
Ontem, antes de vir para casa, ainda passei na FNAC para comprar o DVD do "Finding Nemo". Gosto do filme (acho até que não há nenhum filme da Pixar de que não goste...) e, por vezes, até me identifico com o Marlin, o pai do Nemo. Mas como eu dizia, passei na FNAC. Devia faltar cerca de uma hora para o início do jogo Portugal-Rússia. As ruas estavam quase desertas. Desertas de peões, porque o trânsito estava intenso (mas pouco caótico para aquela hora). Lisboa parecia uma pacata cidade de província (bem, não andaremos muito longe da verdade...) ao entardecer. Lembrei-me do Cesário enquanto subia a Rua Nova do Almada: "Nas nossas ruas, ao anoitecer/ Há tal soturnidade, há tal melancolia,/ Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia/ Despertam-me um desejo absurdo de sofrer." Bem, não me apetecia sofrer, mas mesmo assim lembrei-me do Cesário. Na FNAC, havia quase um equilíbrio perfeito entre funcionários e clientes: um para um. Comprei o DVD e saí. Ainda bebi um café (apenas três clientes ocupavam duas mesas) antes de ir para o metrô. Receei não conseguir entrar, pois tinha que vir na linha que serve o Estádio da Luz (onde se desenrolou o jogo), mas me enganei. Perfeitamente frequentável... E gostei do que vi. Famílias inteiras, vestidas a rigor com as cores nacionais (até com cachecol!!!) e com bandeiras. Franceses. Estes, talvez fossem filhos de emigrantes. Eram quatro e, em conjunto, com suas camisas formavam a palavra Portugal (cada um tinha duas letras). E brasileiros. Com a camisa da seleção portuguesa e também com bandeiras. E achei bonito. Gosto de ver estas tribos do futebol. A tribo nacional é um pouco atípica mas é isso que, neste momento, lhe dá mais brilho...
Até quando irá durar a festa?

quarta-feira, junho 16, 2004

Sonhos


Hoje, sonhei...
Não sei se sonho frequentemente, pois dificilmente me lembro do que se passou durante a noite depois de acordar. Mas desta vez, como acordei logo de seguida, retive alguns pormenores.
Creio que foi um daqueles sonhos vividos quase acordado. Recordo que era noite. Não chovia. Estava num lado da rua e tentei atravessar para o outro lado. Entretanto, os candeeiros do outro lado da rua se apagaram e esta começou a se alargar, alargar, e parecia não me permitir chegar ao outro lado. Entretanto, os prédios que existiam desse lado da rua desapareceram e, na escuridão, surgiu um campo.
De repente, todo o chão surgiu molhado, como se tivesse chovido. Não conseguindo chegar ao outro lado, regressei ao lado de cá. E entrei numa viatura, sem assento, sem volante e apenas com dois pedais. Bem, não tinha volante mas tinha uma alavanca que permitia dirigir. E depois já não era mais noite. Mas também não era dia. E estava num lugar onde, para passar de um lado para outro, tinha que passar por dentro das casas, e dos jardins, e dos quintais. O terreno estava molhado mas não havia lama. E havia gente. E eu falava com toda a gente. Não me recordo dos rostos.
Engraçado, como na recordação dos sonhos, normalmente, os rostos surgem sempre difusos...

segunda-feira, junho 14, 2004

Europa


Hoje (13 de Junho) foi dia especial aqui neste continente. Aliás, desde 5ª feira. Vinte e cinco países votaram para eleger seus representantes no Parlamento Europeu (PE). Portugal elegeu vinte e quatro eurodeputados dos setecentos e muitos que compõem este Parlamento. E claro, agora, todos fazem as suas leituras dos seus resultados. Sempre vitórias! Mas a única verdadeira vitória foi a do Bloco de Esquerda que, finalmente, conseguiu eleger seu deputado para a Europa.
Engraçado que, tendo passado toda a campanha trocando "piropos", falando de assuntos da "paróquia", e esquecendo, afinal, a importância que as decisões do PE têm aqui no retângulo, quem perdeu (e aqui falo da coligação que está no governo, que obteve menos votos que nas últimas "euroeleições") pretende agora dizer que, afinal, estas eleições eram apenas para escolher deputados europeus...
Certamente, mais logo, uns vão começar a exigir a demissão do governo e este vai passar a jogar na defensiva, rezando para que a seleção de futebol vá avançando (pois, perdeu no seu primeiro jogo contra a Grécia...) na eurocopa e as férias de Verão façam esquecer os problemas...
E ainda na eurocopa, os ingleses perderam para a França já em período de compensações, tendo Zidane transformado a derrota por um a zero em vitória por dois a um... uma verdadeiro balde de água fria num dos dias mais quentes do ano (até agora...). Croatas e Suiços empataram a zero.

domingo, junho 13, 2004

Fernando


Sendo hoje dia 13 de Junho, não poderia deixar em branco o nascimento, neste dia, de um génio: Fernando Pessoa. De seu nome completo Fernando Antonio Nogueira Pessoa, o Antonio surge precisamente por haver nascido em dia de Santo Antonio, santo do coração de todos os lisboetas (sim, porque o padroeiro de Lisboa é São Vicente, correndo este ano 1700 anos sobre o seu martírio).
Não vou dizer mais sobre o Poeta (muito foi dito já, muito mais irá ser dito ainda). Mas deixo aqui um conjunto de poemas, não publicado na revista "Orpheu 3".

"ALÉM-DEUS


I

ABYSMO

Olho o Tejo, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E subito isto me bate
De encontro ao devaneando -
O que é ser-rio, e correr?
O que é estal-o eu a ver?

Sinto de repente pouco,
Vacuo, o momento, o logar.
Tudo de repente é ôco -
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo - eu e o mundo em redór -
Fica mais que exterior.

Perde tudo o ser, ficar,
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéa, alma de nome
A mim, á terra e aos céus...

E subito encontro Deus.


II

PASSOU

Passou, fóra de Quando,
De Porquê, e de Passando...,

Turbilhão de Ignorado,
Sem ser turbilhonado...,

Vasto por fóra do vasto
Sem ser, que a si se assombra...

O universo é o meu rasto...
Deus é a sua sombra...


III

A VOZ DE DEUS

Brilha uma voz na noute...
De dentro de Fóra ouvi-a...
O' Universo, eu sou-te...
Oh, o horror da alegria
D'este pavor, do archote
Se apagar, que me guia!

Cinzas de idéa e de nome
Em mim, e a voz: O' mundo,
Sêrmente em ti eu sou-me...

Mero echo de mim, me innundo
De ondas de negro lume
Em que pra Deus me afundo.


IV

A QUEDA

Da minha idéa do mundo
Cahi...
Vacuo além de profundo,
Sem ter Eu nem Alli...

Vacuo sem si-proprio, chaos
De ser pensado como ser...
Escada absoluta sem degraus...
Visão que se não pode ver...

Além-Deus! Além-Deus! Negra calma...
Clarão de Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido...


V

BRAÇO SEM CORPO BRANDINDO UM GLADIO

Entre a arvore e o vel-a
Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela
Deus?... E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horisonte...

Entre o que vive e a vida
Pra que lado corre o rio?
Arvore de folhas vestida -
Entre isso e Arvore ha fio?
Pombas voando - o pombal
Está-lhes sempre á direita, ou é real?

Deus é um grande Intervallo,
Mas entre quê e quê?...
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Erro-me... E o pombal elevado
Está em torno na pomba, ou de lado?"

sábado, junho 12, 2004

Ninguém é profeta...


...em sua terra.
Por aqui, se vive uma febre, uma intensa febre. E essa febre tem nome: futebol. Pela primeira vez, Portugal organiza uma Eurocopa. E depois disso, fruto de uma qualificação muito suada, essa febre se vai prolongar pelas Olimpíadas.
Mas esta eurocopa está fazendo mexer este país. Não sei se por um bom ou mau motivo, mas este país está mexendo. Todo o mundo tem andando deprimido há já bastante tempo. Demasiado tempo. Na prática, desde que este governo tomou posse e o primeiro-ministro disse que o país estava de tanga. Dois anos. É muito tempo. A recessão também não ajudou e os acontecimentos internacionais ainda menos.
E chega a eurocopa. E como selecionador do time português temos Luis Felipe Scolari, Felipão. E eu, sem me ligar muito nestas coisas da bola, gosto dele. Porquê? Porque é um otimista. Eu sei que um otimista é um pessimista mal informado, mas sabe bem ouvir um discurso positivo de quando em vez. E o Felipão tem esse discurso. E esse discurso não é apenas com o time que ele treina, é com este povo, este povo português. E de repente, conseguiu que todo o mundo se sentisse um pouco mais português! Pediu uma coisa simples: "para apoiar a seleção portuguesa, pendurem bandeiras em vossas janelas". Bem, não sei se as suas palavras foram mesmo estas mas, de repente, a bandeira portuguesa virou moda!
Se vende em qualquer esquina (o pessoal - daquela seita em que são todos iguais e todos dizem o mesmo: "qué frô? qué frô?" - que vendia flores se reconverteu e também já vende bandeiras), já está pendurada em quase todas as janelas e mesmo muitos carros não dispensam sua bandeirinha.
Claro que muito produto que se vê pendurado apenas tem semelhança com o original: os besantes (os círculos brancos dentro das quinas) se transformam em simples pontos ou em escudos ou, pasme-se, em cruzes! E até os castelos (que são sete e se assemelham às torres de um jogo de xadrez) vão tendo suas formas mais ou menos estilizadas, chegando à forma de pagodes! Claro que aqui, o fato de 99% do produto ser fabricado na China talvez tenha a sua influência...
Mas vou explicar agora porque decidi escrever este texto: acho que a depressão, se não está acabando, está acalmando. Claro, se Portugal não ganhar essa copa, a ressaca vai ser grande. Mas aí, como disse de início, ainda temos Atenas. De início, estava achando que esse negócio de pendurar bandeirinha na janela era uma completa bobagem. Mas depois de ver uma, duas, dez, uma rua inteira, várias ruas, com bandeiras ao vento... achei bonito! E aí pensei: pô, está um primeiro-ministro, todo um governo, até o Presidente da República dizendo que isto está melhor e ninguém acredita (e quem acredita em conversa de político?). Chega um treinador de futebol, estrangeiro (oh, mas esta nossa língua comum ajuda tanto...), pedindo apoio à seleção de uma forma simples (uma simples bandeira) e, de repente, começamos a acreditar! Em quê? Que é possível! Que basta acreditar que é possível para que seja mesmo possível!!!
O futebol pode ser ilusão, mas sonhando...

quinta-feira, junho 10, 2004

Mais Rubem



"O que dá prazer e desprazer não são as coisas, mas as palavras que nelas moram. Como Zaratustra sugeriu, o que torna as coisas agradáveis são os nomes e os sons que lhe são dados." (p. 74)

"Deus pronuncia a Palavra e um universo aparece, como objeto de amor: um jardim, paraíso.
E ali a beleza toma uma forma humana: mulher e homem, imagem de Deus, espelho de Deus.
O que é um homem? Um homem é um vazio, o desejo por uma mulher.
O que é uma mulher? Uma mulher é um vazio, o desejo por um homem.
Eles são aquilo que não são...
A Palavra é masculina: a fala se projeta como falus, eleva-se e penetra, a fim de dar prazer e engravidar.
Pela palavra introduzo meu sêmen em outro.
O ouvir é feminino. O ouvido é um vazio, concha, um convite à palavra que lhe trará prazer e vida.
Mas a separação anatômica dos sexos é mais que um acidente biológico. Homem e mulher, sem separação e sem confusão, como no dogma cristológico, imagem de Deus. Perda eterna, desejo eterno. Deus é masculino e feminino, pai e mãe, homem e mulher, desejo do outro.
Aqui está a tragédia de Narciso: ele não desejava o que não tinha. Nele não havia vazios. Ele não podia sonhar... Nosso segredo é a androginia... A felicidade não é o prazer; é reunião com o objecto-espelho que reflete a ausência que em nós habita." (p. 77)

"Saudade: um nome que só pode ser pronunciado diante do Vazio..." (p. 71)

Se já entendi o que estou lendo? Vou ruminando...

Ilusão



Hoje, no meu caminho para casa, me dei conta de um edifício em completa ruína. Mas ainda com três paredes em pé e sustentadas por uma estrutura externa até ao seu quinto andar. Meu coração deu um baque e um pensamento atravessou meu espírito: esse edifício sou eu! Eu sou assim...

quarta-feira, junho 09, 2004

Palavra



Descobri Rubem Alves aqui nesta minha atividade blogueira. Desde então, me fui cruzando com ele. Neste momento, ele é minha leitura de metrô. No bolso interior esquerdo do meu blusão de ganga (agora faz calor para andar de blusão mas... necessito dos bolsos para espalhar documentos, livros, tabaco...), sobre o coração, a minha companhia agora é "Lições de Feitiçaria - meditações sobre a poesia", das Edições Loyola. Como diz o autor, este é um texto para ser lido "vagarosamente, bovinamente, como quem pasta, como quem rumina..." (p. 14).
Nesta ruminação, me vou deparando com novas idéias, novas formas de ver. E como este espaço se chama Amnésia, descobri uma frase que pode ajudar a (re)enquadrar este mesmo espaço:
"É preciso esquecer a fim de lembrar,
É preciso desaprender a fim de aprender de novo..." (p.39)
E estas palavras surgiram na sequência de uma citação de Alberto Caeiro. Fui pegar no "Guardador de Rebanhos", tentando encontrar o poema completo. Mas foi este o poema que me escolheu. Pensando em janelas, transcrevo o poema III:

"Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo por cima dos olhos que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O Livro de Cesário Verde.

Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas pessoas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E vê que está a reparar nas flores que há pelos campos...

Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarras..."

Mas de que trata este livro de Rubem Alves? Não sei ainda. Se já soubesse, logo no início, de nada serviria continuar...

domingo, junho 06, 2004

What's wrong?



Terei eu, por segundos, atravessado um portal para outra dimensão?
A cena foi à entrada de um hotel. Um táxi parado. O cliente já saiu. O chófer sai e o ajuda a retirar a mala da bagageira. Até aqui, quase normal. E de repente, a cereja no topo: "Have a nice stay, sir". Quê? Palavras simpáticas? E em inglês? Terei ouvido bem? Neste país? Onde é que isto irá parar? Não tarda, um destes dias estarão escolhendo sempre o trajeto mais curto e cobrando o valor da bandeirada...

sábado, junho 05, 2004

Serei eu?






Faça você também Que
gênio-louco é você?
Uma criação de O Mundo Insano da Abyssinia


terça-feira, junho 01, 2004

Aleixo II



Conforme prometido, aqui junto mais algumas quadras de António Aleixo...

«Uma mosca sem valor
poisa, c'o a mesma alegria,
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.»

«Fala quanto te apeteça,
mas desculpa que eu te diga
que te falta na cabeça
o que te sobra em barriga.»

«Meu aspecto te enganou;
o que a gente é não se vê;
pergunta a outrem quem sou,
pois o que sou nem eu sei.»

«Quem me vê dirá: não presta,
nem mesmo quando lhe fale,
porque ninguém traz na testa
o selo de quanto vale.»

«Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão, mesmo vencida,
não deixa de ser Razão?»

«Eu não sei porque razão
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer.»

«De te ver fiquei repeso,
em vez de ganhar perdi;
quis prender-te, fiquei preso,
e não sei se te prendi.»

domingo, maio 30, 2004

Aleixo I



Ao passar os olhos, ao acaso, pelos livros que ainda tenho em casa de minha mãe, encontrei um do "poeta Aleixo" (Este Livro Que Vos Deixo...). Semi-analfabeto, tendo já morrido em 1949, teve sua poesia editada em 69 e 70 por seu filho, com edições esgotadas. Esta minha edição é a 4ª, de 1977. Mais ou menos ao acaso, aqui deixo algumas quadras (prometo apontar mais algumas por aqui...).

«Há tão pouca coisa boa,
tanta má por boa escrita,
que quando o bem se apregoa
quase ninguém acredita.»

«Da guerra os grandes culpados,
que espalham a dor na terra,
são os menos acusados
como culpados da guerra.»

«Que o mundo está mal, dizemos,
e vai de mal a pior;
e, afinal, nada fazemos
p'ra que ele seja melhor.»

«Nunca julgues que quem canta
é feliz, porque é ilusão:
nem sempre diz a garganta
o que sente o coração.»

«Sem reparar que me feres,
dizes-me, de vez em quando,
coisinhas que tu não quers
que eu te diga nem brincando.»

Da janela de Kafka



Ainda Kafka e suas janelas. Os tradutores são os mesmos do post anterior.

«Momentos de distracção à janela
O que havemos de fazer com estes dias de Primavera que se aproximam a passos largos? Hoje de manhã o céu estava cinzento, mas se fores agora à janela vais ficar surpreso e encostar a bochecha ao caixilho.
O sol já se está a pôr mas, lá em baixo, na rua, vês que ilumina o rosto de uma menina que se passeia absorta no preciso momento em que é eclipsada pela sombra de um homem que a ultrapassa.
Mas depois o homem passa e a cara da menina fica iluminada.»

sábado, maio 29, 2004

Uma janela para Kafka



Faz algum tempo, fiquei sem janela. Devido a uma remodelação (e durante essa remodelação) tive que trocar de gabinete. Não foi fácil trabalhar num cubículo, enfrentando uma parede completamente branca. Terrível não saber se há sol ou se há chuva, se ainda é dia ou se já é noite. Felizmente, essa fase passou e recuperei minha janela sobre o Tejo...

Hoje, descobri este pequeno conto de Franz Kafka. A edição do livro, que reúne vários (todos?) contos dele, tem dois tradutores. Como não sei quem é o responsável pela tradução do conto que já de seguida irei transcrever, aqui deixo o nome dos dois: Nuno Batalha e Hugo Gomes.

«A janela para a rua

Quem quer que, levando de um modo geral uma vida solitária, deseje, de tempos a tempos, ter algo que o ligue a alguma coisa; quem quer que, por razão da altura do dia, do tempo que faz, do estado em que vão os negócios, e outras coisas do género, desejar ter um braço a que se agarrar - não pode passar sem ter uma janela para a rua. E ainda que não esteja com paciência para desejar coisa nenhuma e se vá sentar, cansado apenas, ao parapeito, com os olhos passeando entre a multidão e o céu, sem querer olhar para fora, de cabeça inclinada, os cavalos lá em baixo arrastá-lo-ão para o tumulto e corrupio das carroças, até que esteja, por fim, em harmonia com o humano.»

quarta-feira, maio 26, 2004

G Spot


Hoje, me descubram aqui.

quarta-feira, maio 12, 2004

Corto, Pratt (6)



Je ne suis pas assez sérieux pour donner des conseils et je le suis trop pour en recevoir.

Corto Maltese a Steiner in Sous le signe du Capricorne

quinta-feira, maio 06, 2004

Corto, Pratt (5)


Celui qui poursuit un rêve n'en désire pas, au fond, la réalisation: il veut seulement pouvoir continuer à rêver.

Narrador in Corto Maltese (o romance)

quarta-feira, maio 05, 2004

Corto, Pratt (4)


Entre le sarcasme et l'ironie il y a la même distance qu'entre un rot et un soupir.

Groovesnore a Hastings in Corto Maltese (o romance)

terça-feira, maio 04, 2004

Corto, Pratt (3)



- Tu dois maintenant entrer dans le labyrinthe sacré.
- Un labyrinthe sacré? Cela ne m'interesse pas... je cherche une femme.
- La femme est un labyrinthe elle aussi...

O guardião de Aztla a Corto Maltese in

segunda-feira, maio 03, 2004

Corto, Pratt (2)



A l'horizon de cet océan il y aurait toujours une autre île pour s'y abriter pendant une tempête ou pour s'y reposer et aimer. Cet horizon ouvert serait toujours là, une invitacion au départ.

Narrador in Corto Maltese (o romance)

sábado, maio 01, 2004

Corto, Pratt (1)



Les femmes seraient merveilleuses si tu pouvais tomber dans leurs bras sans tomber entre leurs mains.

Corto Maltese in Sous le signe du Capricorne

sábado, abril 24, 2004

Sant Jordi



Barcelona. 23 de Abril. Dia de Sant Jordi (ou de São Jorge).
Barcelona. 23 de Abril. Dia do livro e das rosas.
23 de Abril. As livrarias invadem as ruas. Bancas de livros alastram para fora das portas e não deixam indiferente quem passa. Ao lado dessas bancas, flores. Muitas flores. "Amanhã, tens que lhe oferecer uma flor e ela tem que te oferecer um livro", tinham-me dito na noite anterior. E assim foi. Festa linda! Flores e livros. Nesse dia, ramblear era também ver livros, flores e escritores.
A 23 de Abril atingem-se picos de vendas, tanto em livros como em flores. Ninguém fica imune. Pelas ruas, cruzamo-nos com pessoas que levam livros ou flores. Ou ambos. Novidades e promoções juntam-se neste dia que, não por acaso, também é o Dia Mundial do Livro. E a profusão de títulos é tão grande em castelhano como em catalão. E talvez aqui resida uma das grandes forças da Catalunha: na sua língua. Recordo-me que Montserrat Roig, escritora e jornalista (infelizmente já desaparecida), afirmou numa entrevista que utilizava o castelhano como língua de trabalho (enquanto jornalista) e o catalão como língua de cultura (enquanto escritora).
23 de Abril. Em Barcelona, é pois um Dia de Resistência: de resistência cultural e resistência ao “ocupante castelhano” (Sant Jordi é o padroeiro da Catalunha… e isto já permite outra estória).

23 de Abril. Na Catalunha, o dia do Livro começou por se celebrar a 7 de Outubro de 1926, por iniciativa do editor e escritor Vicent Clavel Andrés. Esta data celebrava o nascimento de Cervantes. Mais tarde, em 1930, a data passou para 23 de Abril, dia da morte de Cervantes. Neste mesmo dia, morreram também Josep Pla e William Shakespeare. Em 1995, a UNESCO instituiu este dia como Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor. Um dia de celebração nascido na Catalunha transformou-se num dia de celebração mundial...

sexta-feira, abril 23, 2004

Revolução



Estes dias de Abril me modificam. Continuo ainda com esta questão Evolução vs. Revolução. E socorro-me de duas crônicas, uma publicada por Vital Moreira (VM) e que descobri a conselho do Barnabé, e outra de Nuno Severiano Teixeira (NST). Da primeira, transcrevo o primeiro parágrafo:
A meu ver, só a ignorância histórica, o preconceito ideológico ou o interesse político é que pode contestar a natureza revolucionária do 25 de Abril de 1974. Foi uma revolução em todos os sentidos da palavra: na ruptura "ilegal" com o regime em vigor e na inauguração de uma nova era política; na conversão espontânea e imediata de um pronunciamento militar em genuína revolução popular, com maciças movimentações sociais; nas profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais que desencadeou. Deste ponto de vista, o 25 de Abril compara-se favoravelmente com a revolução liberal (1820-1834) e representa uma ruptura muito mais profunda do que a revolução republicana de 1910, que não implicou mudanças económicas e sociais tão intensas. Basta recordar o fim da ditadura e a instauração das liberdades e da democracia; o termo da guerra colonial e a independência das colónias; o fim do nacionalismo e abertura ao exterior, que haveria de culminar com a adesão à então CEE; o fim do centralismo autoritário e o estabelecimento da autonomia local e regional; a abolição do corporativismo e a mudança das relações de trabalho e das relações económicas; as nacionalizações e a reforma agrária e a consequente nova ordem económica (mesmo se posteriormente metamorfoseada pela contra-reforma agrária e pelas privatizações); as radicais transformações nas relações sociais, na família, na emancipação da mulher, nos costumes; a implementação dos direitos sociais, nomeadamente o direito à segurança social e à saúde (designadamente o SNS), bem como a democratização da educação e da cultura.

Sigo com NST, ao refletir sobre as “Políticas da Memória” (título de sua crônica) e a polêmica sobre a Revolução que perdeu o erre:
O debate é tonto, embora o slogan que lhe deu origem - Abril é Evolução - seja tudo menos inocente. Vale a pena, por isso, que nos entendamos sobre os seus objectivos e o seu significado. O debate tem confundido, frequentemente, dois planos que são distintos: o da História, que é uma questão de ciência, e o da memória, que é uma questão de política. No plano da História, a questão não tem qualquer sentido. E não tem sentido porque, pura e simplesmente, não existe. Os historiadores e os cientistas políticos, familiarizados com a literatura sobre os processos de democratização, sabem bem que a democratização portuguesa conheceu dois momentos distintos, ambos fundamentais para a democracia em Portugal. A transição, entre 1974 e 1976, que, ao contrário da generalidade das outras transições democráticas, se caracterizou pela sua especificidade revolucionária. E a consolidação, que, a partir de 1976, se integrou no modelo geral a que Huntington chamou da «Terceira Vaga».
A transição operou-se por ruptura. Por ruptura, nas elites, e por irrupção maciça, na participação popular. Ruptura na esfera política, mas também na esfera económica e social. As lutas em torno do modelo político institucional foram acompanhadas por uma redistribuição brutal e compulsiva dos rendimentos e da propriedade que a Reforma Agrária e as nacionalizações concretizaram. Mas também e, simultaneamente, pela democratização do ensino, a criação do serviço nacional de saúde e do welfare State, com a institucionalização do salário mínimo, das férias e a universalização das reformas. E nem mesmo a dimensão internacional escapou à ruptura revolucionária. Foi ela que pôs fim à guerra colonial e permitiu a descolonização.


Não há dúvidas. Revolução é Revolução. Mas (continuo com NST…)
. Mas nada disto é o que está em causa no debate sobre o 25 de Abril. Porque o que se discute não é a História. É a memória. E é aí que está o não dito. As comemorações não são um acto inocente. Pelo contrário, são um acto político. De política da memória. Uma política que reactualiza a oposição entre a memória individual e a memória colectiva e em que o poder político que comemora se apresenta como o legítimo herdeiro daquilo que comemora. Mais, em que se assume como o intérprete legítimo da memória colectiva. É isso que está em causa no 25 de Abril: a apropriação da memória. A direita contra-revolucionária nunca teve dúvidas de que o 25 de Abril foi uma revolução. Pelo contrário, acentuou-lhe o carácter revolucionário para se demarcar dela. A esquerda também nunca teve dúvidas. O 25 de Abril era património seu e apropriou-se da sua memória. Há depois um centro-direita e por via da coligação uma direita envergonhada, hoje no poder, que se sentem excluídas dessa memória e que se querem apropriar dela. Abril é Evolução é só isso: um instrumento de apropriação da memória.

Neste espaço de amnésia, o que se discute é a memória. E porque ainda há memória, em muitos dos outdoors onde se inscreve o slogan “Abril é Evolução” ao lado de cravos “warholianos”, há quem escreva o erre omitido…

quinta-feira, abril 22, 2004

Xará O'Neill



Nestes dias, vem-me sempre à memória um poema do O'Neill, chamado Portugal:

"Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há «papo-de-anjo» que seja meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós..."

Alexandre O'Neill [1965]

Revolução? Evolução? Contradição? Este Portugal anda perdido (ou andamos todos perdidos em Portugal? ou perdidos de Portugal?)... Talvez só eu me sinta perdido...

quarta-feira, abril 21, 2004

Estava cansado. Não recordava há quanto tempo vinha andando. Mas vinha seguindo o rio, em direcção ao mar, como se também ele fosse desaguar nesse amplo abraço. Parou. Na Praça do Comércio virou costas à estátua e tentou encarar o rio de frente. E tentou recordar um Cais das Colunas desaparecido (por mais quanto tempo?), transformado em estaleiro de obras e criando uma espécie de dique para águas podres. Tentou recordar mas não conseguiu. Ah, aquela sua memória… Pigarreou como se fosse falar, esboçou um início de discurso abrindo a boca, mas nada saiu… Manteve-se em silêncio. Continuou a andar. Arrastava os pés, tropeçando em pedras soltas da calçada. Finalmente, aproximava-se do rio… Sentia o vento frio nesse fim de tarde. Cada vez mais cansado, resolveu sentar-se. Os cacilheiros, em vai e vem, iam atracando e largando do cais que ele avistava ali bem perto. Levantou-se e retirou a carteira do bolso. Dinheiro, já não tinha. Apenas documentos. Já amarelados uns, outros com o revestimento plástico riscado e sem brilho. Olhou a sua foto no seu cartão do sindicato. Como era moço… o cabelo lambido pela brilhantina, um sorriso carregado de sonhos… uma lágrima escapou-se dos seus olhos e perdeu-se nas rugas do seu rosto. Atrás de si, o trânsito parado de fim de dia trazia algum silêncio. Continuou a verificar o conteúdo da sua carteira. Para além dos documentos, já quase todos caducados, nada mais. Nem uma foto. Nem um apontamento. Nada mais… Olhou para trás e o trânsito continuava parado. Parado como estava, começou a desvanecer-se. Encolheu os ombros. Virou-se para o rio. A outra margem parecia também estar a desvanecer-se. Estava ele e o rio. Restava ele e o rio. Guardou os documentos na carteira e entalou-a entre duas pedras, salpicadas por pequenas ondas que marcavam a subida do rio com a maré. O silêncio substituiu a paisagem em seu redor. Com dificuldade, levantou-se, sacudindo as pernas que já sentia dormentes. Esticou-se. Olhou para o rio. Em silêncio. O seus lábios moviam-se mas sem articular palavra. Continuou a fitar o rio. E também este se foi desvanecendo…

Lisboa, 20 Abr (Lusa) - O corpo de um indivíduo com cerca de 65 anos apareceu hoje no rio Tejo, junto ao Cais de Santos, em Lisboa, informou a Polícia Marítima, que aguarda a presença do delegado de saúde no local.
Só com a chegada do delegado de saúde é que o corpo será removido das águas do rio, adiantou à Agência Lusa fonte da Polícia Marítima.
O corpo apareceu a boiar no rio às 09:10, adiantou a fonte, acrescentando que a identidade do indivíduo é desconhecida.
SB.
Lusa/fim


Abril. 25. 30 anos



Com a regularidade da Páscoa ou do Natal, que também se celebra num dia 25, chega o mês de Abril e o dia 25, que desde 1974 foi batizado de "Dia da Liberdade".
Trinta anos se passaram já... como o tempo parece correr... e com o tempo que corre vai ficando a memória mais baça... a poeira se vai acumulando sobre os dias que vão passando e a amnésia se vai instalando...
Multiplicam-se agora jornais e revistas em edições e reedições especiais. É a "memorabilia" desses dias vividos a quente. Publicam-se coletâneas das músicas que traziam a revolução para a rua e o povo para a festa. É isso que eu melhor recordo: a música e a festa. A confusão dos dias sem rotina, onde tudo era novo. E novo para mim, por dois motivos: porque era criança e porque para os adultos também era novidade.
Trinta anos... Trinta anos que o atual governo quer transformar de Revolução em Evolução. Transformar Revolução em Evolução? Esta transformação me causa desconforto. Parece o retocar de uma foto antiga, onde se tentam apagar marcas que não agradam aos olhos contemporâneos. Como quem retira os cigarros das fotos antigas de André Malraux. Ou faz desaparecer a imagem de Trotsky. Será o estalinismo na comunicação?
Evolução? Esta palavra ainda me causa mais arrepios porque me faz recuar à idéia de progresso do Séc. XIX: aquele progresso que iria trazer conforto e bem-estar a todos. Não sei se é porque o sol hoje brilha pouco, mas o único progresso mais evidente que eu recordo está nas máquinas de guerra: a distância a que se projeta a morte é cada vez maior, resultando daí menos conflitos morais para quem ordena essas ações de morte.
Evolução? Numa população de 10 milhões, são 200 mil os pobres. E utilizando como parâmetro o indicador da União Européia, mais de 50% da população portuguesa é pobre.
Evolução? Sim, os sonhos não cumpridos foram esquecidos e cada um por si vai fazendo pela vidinha.
"O Povo Unido Jamais Será Vencido!"
O Povo quê? Unido? "Dividir para reinar" parece ser agora o lema. Há que desenvolver o individualismo. Pois o importante não é o indivíduo? Como se a resultante do somatório das partes fosse maior que esse todo em conjunto...
Evolução? É. Deve ser porque o dia está cinza, mesmo...
Recordo a Revolução. Não entendo de que Evolução estão falando...

quinta-feira, março 04, 2004

são tantas as palavras que o único resultado é o silêncio. sento para escrever e as palavras em catadupa me atropelam os dedos sobre o teclado. escrevo, escrevo, escrevo e olho para a tela. nada entendo. como se as palavras fossem fios, os nós nos fios, onde deixamos de entender que fibras pertencem a que fio. com paciência e unhas, os nós se vão desfazendo. mas depois de tudo desligado, de tudo deslindado, são palavras perdidas. a confusão é grande e eu não sei se sei onde estou. que realidade é esta? que tempo é este? sei que para lá das aparências, tudo é vazio. nada é certo. entre o antes e o depois, está o agora, que se desfaz mais rápido que o fumo de meus cigarros. onde estou, afinal? o depois nunca sabemos se chegará, o antes... tivémos a ilusão de o ter vivido (ou será que foi ele que nos viveu?). continuo sem perceber onde estou.

domingo, fevereiro 15, 2004

Novos caminhos



Aqui ao lado, linha a linha, se desenham novos caminhos nesta complicada rede blogosférica...

Comentários



Ao que parece, o anterior espaço de comentários ou deixou de existir, ou manifesta sérias dificuldades em funcionar. Desse modo, criei um novo espaço. Para a "nanoaudiência" que por aqui vai passando, pode deixar marcas dessa passagem nesse novo local...

sexta-feira, fevereiro 13, 2004

Mia Couto, Mia Solto



"Com voz de mar, suas palavras eram vagas que nunca encontravam praia."

"Andar no sentido da água é o modo melhor para nos lavarmos das lembranças."

"O homem sabe os segredos do mundo: o rio, verdadeiro, não mexe. Flui, deixado e desleixado. Quem faz mover suas águas são os rabos dos peixes, inumeráveis leques que nunca pausam. Como nós. Deixemo-nos quietos como pedras e o tempo não anda."

"Há tantos anos que redige tais bordados que ela já nem sabe o que está criado. O gato é testemunha daquele inartefacto, enroscado em falso ponto de interrogação. Afinal, o tempo é quem nos vai alinhavando. Demasiado tarde. A vida coloca o dedal no dedo onde o amor já fez a ferida."

"A aparição da mulher fez estancar meu coração, suspenso na rédea do espanto. Escutei íntimos desacordes, sangue para um lado, veias para outro."

"O que é certo: ninguém tem ombro para suportar sózinho o peso de existir. Afinal, a vida se confirma à força de rasgão: ela dilacera logo no acto de nascer, separando mais que a própria morte."

terça-feira, fevereiro 10, 2004

Mia Couto, Mia Conto



Depois de Nelson Rodrigues, continua o amor e a morte, mas nas palavras "abensonhadas" de Mia Couto...

Aqui, um pedacinho do "Fazedor de luzes":

"Estou deitada, baixo do céu estreloso, lembrando meu pai. Nesse há muito tempo, nós nos dedicávamos, à noite, a apanhar frescos. O céu era uma ardósia riscada por súbitos morcegos, desses caçadores de perfumes. (...) Cuidava-me sozinha, órfã eu, viúvo ele. Ou seria ele o órfão, sofrendo do mesmo meu parentesco, o falecimento de minha mãe? Perguntas dessas são incorrigíveis: quem sabe é quem nunca responde. Na realidade, meu nascimento foi um luto para meu pai: minha mãe trocou de existir em meu parto. Me embrulharam em capulana com os sangues todos misturados, o meu novinho em gota e o dela já em cascata para o abismo. Esse sangue transmexido foi a causa, dizem, de meu pai nunca mais compridar olho em outra mulher. Em minha toda vida, eu conheci só aquela exclusiva mão dele, docemente áspera como a pedra. Aquele côncavo de sua mão era minha gruta, meu reconchego. E mais um agasalho: as estranhas falas com que ele me nevoava o adormecer. (...)"

segunda-feira, fevereiro 09, 2004

D. Sebastião


As condições estão criadas mas ele tarda em aparecer...

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

Meu!


Gosto de filmes a preto e branco.
Gosto de filmes mudos.
Gosto de Fritz Lang.
Gosto de METROPOLIS.
E agora, é MEU!
Hoje, estava à minha espera, na caixa do correio...
Edição especial, com dois discos, editado pela Eureka!

quinta-feira, fevereiro 05, 2004

Jangada de Pedra?



Com estas temperaturas em Fevereiro, na certa já se soltou e cruzou o equador...

quarta-feira, fevereiro 04, 2004

A Dark Moment



Por vezes, a existência, qualquer existência, parece não fazer o mínimo sentido...

"Pouco Amor não é Amor"



Nelson Rodrigues é dose...

sexta-feira, janeiro 30, 2004

Lost 2...



a melhor relação é aquela em que não somos obrigados a preencher o silêncio com palavras...

quinta-feira, janeiro 29, 2004

Lost...



Num momento de rara disponibilidade, consegui ir ao cinema no último sábado. E que filme ver? Depois de tantas recomendações indiretas (jornais, revistas e blogs), a escolha pareceu-me óbvia: "Lost in Translation". Ou "O Amor é um lugar estranho" (Portugal). Ou "Encontros e desencontros" (Brasil). Ou “Dois Americanos em Tóquio” na proposta de João Lopes (crítico de cinema e de imagens).

Com um Bill Murray (Bob) parecendo interpretar o papel de "Bill Murray goes to Tokyo". Com a jovem Scarlett Johansson (Charlotte) como a desconhecida (e que para mim se encaixa perfeitamente, pois não me recordava de a ter visto anteriormente. Engano. Já a tinha visto no “The Horse Whisperer”, com o Robert Redford e a Kristin Scott Thomas) que o encontra.

Porquê “perdido na tradução” (título original)? Esse é o primeiro choque de Bob (personagem de Murray) quando, quer durante as filmagens do comercial ou durante a sessão fotográfica, depois de ouvir longos discursos em japonês, vê tudo resumido a uma simples e pequena frase. Ou quando uma pequena frase sua se transforma num longo discurso da sua tradutora. Questão (que se apercebe na sua expressão): o que é que se perdeu nesta tradução? O que é que eu deveria saber e não sei?

É um filme de náufragos. Que o são e não sabem. E é normalmente num bar de hotel que se reúnem os despojos dos náufragos que ainda conseguem chegar à praia.

Um filme de sensibilidade e de sensibilidades: da realizadora, dos atores, do público.

Dois casamentos. Ambos perdidos (os personagens e os casamentos). Ambos agindo como se fossem estranhos numa terra estranha. Tudo parece deixar de fazer sentido, exceto aquelas duas pessoas, quando se encontram. E que certamente nunca se cruzariam se não tivessem naufragado em Tóquio...

Duas solidões (das piores solidões, daquelas que nos obrigam a ficar conncosco e a entender, finalmente, que afinal não sabemos onde estamos).

O momento do encontro de ambos é desencontrado. Primeiro, é Bob, no elevador, que encontra Charlotte. Mais tarde, é Charlotte, no bar, que encontra Bob. E é também no bar que Bob é encontrado pela cantora de serviço (e eu acho que os cantores de bar de hotel são deprimentes e que as músicas de bar de hotel são deprimentes, qualquer que seja a música, qualquer que seja o hotel, qualquer que seja o país). Esse encontro com a cantora conduz a relação entre Bob e Charlotte a um outro patamar (ou não?). E permite a Charlotte, durante um almoço (daqueles que não correm muito bem), “agredir” Bob com algumas frases irónicas (como se a ironia habitual em Bill Murray cedesse lugar à de Scarlett...).

Música. Já falei da música deprimente do bar do hotel. Falo agora do karaoke. Essa cena define a situação de ambos: numa primeira música cantada por Bob (que eu não consegui identificar), este parece se confessar perdido; com o “Brass in Pocket” (dos Pretenders), Charlotte seduz; finalmente, com o “More than this” (Brian Ferry), Bob se rende.

O final... não, não vou falar sobre o final.

quarta-feira, janeiro 21, 2004

Dali



Para os mais distraídos, 2004 é o ano DALI...
A Catalunha está aí de novo!!!
(Que tal uma saltada a Barcelona?)

terça-feira, janeiro 20, 2004

Sophia, Fiama e Unamuno



Hoje trago mar. E três poetas: Sophia de Mello Breyner Andresen, Fiama Hasse Pais Brandão e Miguel de Unamuno.

O poema de Sophia, retirado de O Búzio de Cós e outros poemas

“Beira-Mar

Mitológica luz da beira mar
A maré alta sete vezes cresce
Sete vezes decresce o seu inchar
E a métrica de um verso a determina
Crianças brincam nas ondas pequeninas
E com elas em brandíssimo espraiar
Em volutas e crinas brinca o mar”



Os poemas de Fiama, saídos de Cenas Vivas

“Rias

O caminhar pela areia sem caminho,
indo ao sabor dos recortes e marinhas.

Ao sul ou norte de um país marítimo,
era um tempo passageiro esse
do caminhar pela areia sem caminho.

Baixa se estendia a água.
Deitada no chão, a sombra era bebida
por essa água pouca, areia ávida.”


“Leituras em Novembro

O mar bate como se o sopro
do separar das águas de novo
rasgasse a terra alcantilada.
Não o vejo, mas ao longe
oiço, no êxtase, o rumor
das ondas infinitamente.
Depis calamo-nos ouvindo
a voz interior apenas e pensamos
nos livros que consubstanciam
a separação entre a terra e a água.”


“Espaços

Todas as coisas e seres
são dados aos poemas e exigem estar.
Próximas paisagens distantes,
seres presentes.
Entre o aparo e a escrita.
Próxima, não a respiração
mas a presentificação das coisas,
infindos riscos.”


“Nuvens

Nuvens mostram-nos ao longe
a ficção de serem formas cénicas.
Mesmo rostos podem nascer ali
debaixo de madeixas claras.
Risos podem rasgar-se, entre
raios de sol e sombra. Essa,
por vezes, a vida frágil dos risos.”

(os poemas acima foram pilhados daqui)


Acabando com Unamuno, retirado da sua Antología poética
(Nota - como não consigo manter a mancha gráfica original dos poemas, faço o arranjo clássico de soneto...)

“XXXIV

La mar ciñe a la noche en su regazo
y la noche a la mar; la luna, ausente;
se besan en los ojos y en la frente;
los besos dejan misterioso trazo.

Derrítense después en un abrazo,
tiritan las estrellas con ardiente
pasión de mero amor y el alma siente
que noche y mar se enredan en su lazo.

Y se baña en la oscura lejanía
de su germen eterno, de su origen,
cuando con ellas Dios amanecia,

y aunque los necios sabios leyes fijen,
ve la piedad del alma la anarquía
y que leyes no son las que nos rigen.”


“LII

Dime qué dices, mar, qué dices, dime!
Pero no me lo digas; tus cantares
son, con el coro de tus varios mares,
una voz sola que cantando gime.

Ese mero gemido nos redime
de la letra fatal y sus pesares,
bajo el oleaje de nuestros azares
el secreto secreto nos oprime.

La sinrazón de nuestra suerte abona,
calla la culpa y danos el castigo;
la vida al que nació no le perdona;

de esta enorme injusticia sé testigo,
que así mi canto con tu canto entona
y no me digas lo que no te digo.”

sexta-feira, janeiro 16, 2004

Este dia chama a melancolia e a saudade...
Este tempo assim, de chuvinha miudinha, mais ou menos constante durante todo o dia, traz-me recordações do tempo em que vivi nos Açores, mais propriamente em São Miguel.
Aqueles dias pardacentos, em que o tempo parecia imóvel, tornavam a ilha ainda mais ilha. E a nós, mais ilha dentro da ilha. Mas agora, não sei bem porquê, gostaria de estar lá, vivendo novamente esses dias... Neste momento, estou me sentindo um açoreano em exílio...
(Fim de tarde, 12 de Janeiro)

Como é que pode haver pragmatismo com esta luz irreal de Lisboa? Neste momento, apenas me assalta a memória a cena do "Spirited Away" (ou "A Viagem de Chihiro") em que no final do dia os deuses vão desembarcando e se vão materializando à medida que a noite cai e as luzes se vão acendendo.
Num céu quase coberto de nuvens negras, há uma zona onde ainda se vê parte do azul do céu e do rosa do poente colorindo as nuvens mais altas. Não é dia. Não é noite. É mesmo a "Twilight Zone"...

quinta-feira, janeiro 15, 2004

Nacos de prosa, nacos de Portugal



Como já anteriormente referi, comprei um livro no último dia do ano. Numa livraria nova, a Clepsydra, e com um ótimo atendimento. Mário de Carvalho e a sua "Fantasia para dois coronéis e uma piscina". Um filme em forma de romance.

Como exemplo do gozo que me tem a sua leitura, deixo aqui dois nacos de prosa que são, também, um retrato deste país...

Assim começa:
"Assola o país uma pulsão coloquial que põe toda a gente em estado frenético de tagarelice, numa multiplicação ansiosa de duos, trios, ensembles, coros. Desde os píncaros de Castro Laboreiro ao Ilhéu do Monchique fervem rumorejos, conversas, vozeios, brados que abafam e escamoteiam a paciência de alguns, os vagares de muitos e o bom senso de todos. O falatório é causa de inúmeros despautérios, frouxas produtividades e más-criações.
Fala-se, fala-se, fala-se, em todos os sotaques, em todos os tons e decibéis, em todos os azimutes. O país fala, fala, desunha-se a falar, e pouco do que diz tem o menor interesse. O país não tem nada a dizer, a ensinar, a comunicar. O país quer é aturdir-se. E a tagarelice é o meio de aturdimento mais à mão.
Falam os médicos, os notários, os empreiteiros, os varredores, os motoristas, os professores e toda a lista de profissões de estatística e não há corporação que fique de fora neste zunzunar do paleio, vendedores de automóveis, mediadores de seguros, sapateiros que passam a vida a cantar, empregados de mesa, agentes da autoridade, doentes dos hospitais, operadores imobiliários, empregados forenses, e também engenheiros, sem-abrigo, vagabundos, telefonistas, padeiros, patinadores, engraxadores e vândalos. Imigrantes provindos de países sombrios aprendem aqui a soltar as línguas, aderem ao velho ofício de dar à taramela, por isto e por aquilo, por tudo, nada. Passam-se dias, meses, anos, remoem as depressões, adejam os perigos e o país a falajar, falajar, falajar." (pp. 11 e 12)

E mais à frente:
"Entre a poeirada de adversidades que ensombram e inquinam a já de si pequenina qualidade de vida dos portugueses existe uma prática ilegal e, portanto, livremente exercida, chamada «estacionamento em segunda fila». Consiste em alinhar automóveis ao lado daqueles que já estão arrumados, bloqueando-lhes a saída. Em Portugal, em qualquer ocasião, sempre que ao olhar se oferece um bom lugar, é mister fazer-lhe a crítica e interrogá-lo extensamente. Há campo para sair pelo lado do passeio? Há espaço suficiente para?... Convém antecipar todas as malfeitorias aptas a impedir-nos de usar de um direito ou de uma facilidade. Porque é evidente que as circunstâncias da lusa vivência não consentem que um cidadão deixe o seu carro bem estacionado e vá, descansado, à sua vida. Isso seria demasiado simples. E a simpleza repugna aos portugueses. Deixar alguém na despreocupação? A fruir dos seus direitos? Isso é antilusitano. O bom cidadão deve sofrer a grosseria dos seus conterrâneos, sujeitar-se a ver todas as legítimas expectativas malogradas e guardar-se para a sua própria vez, quando tiver ocasião de tirar desforço e lesar triunfalmente a comodidade do próximo." (p. 53)

Continuarei com mais nacos, noutro dia...

quarta-feira, janeiro 14, 2004

Hoje, um livro veio ter comigo. Andava procurando uma coletânea de poesia da Christina Georgina Rossetti (irmã do pintor Dante Gabriel Rossetti) que tinha visto antes do Natal, na FNAC. Desapareceu. Talvez volte um destes dias...
Christina Rossetti é autora daquele poema "When I am dead, my dearest," poema de morte mas não poema triste...

"When I am dead, my dearest,
Sing no sad songs for me;
Plant thou no roses at my head,
Nor shady cypress tree:
Be the green grass above me
With showers and dewdrops wet;
And if thou wilt, remember,
And if thou wilt, forget.

I shall not see the shadows,
I shall not feel the rain;
I shall not hear the nightingale
Sing on, as if in pain:
And dreaming through the twilight
That doth not rise nor set,
Haply I may remember,
And haply may forget."

Aproveito e deixo a tradução de Manuel Bandeira:

"Em minha sepultura,
Ó meu amor, não plantes
Nem ciprestes nem rosas;
Nem tristemente cantes.
Sê como a erva dos túmulos
Que o orvalho umedece.
E se quiseres, lembra-te;
Se quiseres, esquece.

Eu, não verei as sombras
Quando a tarde baixar;
Não ouvirei de noite
O rouxinol cantar.
Sonhando em meu crepúsculo,
Sem sentir, sem sofrer,
Talvez possa lembrar-me,
Talvez possa esquecer."

Mas estava eu contando a minha estória do livro que me encontrou. Pois estava eu buscando os poemas da Rossetti quando me chega aos olhos um livro de lombada fina, onde se destacava a palavara "Unamuno". E também "Antologia poética". De Unamuno, D.Miguel de Unamuno, só conhecia a sua vertente filosófica, a sua amizade com, entre outros, Teixeira de Pascoaes, e a sua caracterização de Portugal como país de suicidas (Antero e Manuel Laranjeira, por exemplo). Pouco mais. Descubro então este livrinho da "Biblioteca Unamuno" da Alianza Editora (esta editora também tem Borges e Bioy Casares em formato de bolso).
Abro o livrinho e vou descobrindo as palavras. E com poemas (com o mar) de Sophia e Fiama ecoando, depois de mais um lindo fim de tarde, este é o primeiro poema que leio...

"Horas serenas del ocaso breve,
cuando la mar se abraza con el cielo
y se despierta el inmortal anhelo
que al fundirse la lumbre lumbre bebe.

Copos perdidos de encendida nieve
las estrellas se posan en el suelo
de la noche celeste y su consuelo
nos dan, piadosas, con su brillo leve.

Como una concha sutil perla perdida,
lágrima de las olas gemebunda,
entre el cielo y la mar sobrecogida

el alma cuaja luces moribundas
y recoge en el lecho de su vida
el poso de sus penas más profundas."

Folheio mais um pouco. Pronto. O livro já me encontrou. O livro já me escolheu...

quarta-feira, janeiro 07, 2004

Pão Comanteiga



Desde já, agradeço os comentários ao meu penúltimo texto aqui publicado.
Graças à Cristiana, descobri que existe um blog (ou quase blog) de Artur Couto e Santos onde se podem resgatar pérolas do Pão Comanteiga. O Nuno Catarino também fala de jazz, pretexto para falar de outras coisas também.

Pegando então na dica da Cristiana, e investigando no coiso, cá vão mais algumas informações sobre o Pão Comanteiga, resgatadas das memórias de Artur Couto e Santos.
Idéia original de Carlos Cruz, José Duarte e Mário Zambujal, tinha começado a ir para o ar, das 10 às 13 horas de domingo, na Rádio Comercial, em 1980. O grupo inicial, além desses três, também incluía Eduarda Ferreira, Orlando Neves e Bernardo Brito e Cunha (o BBC). Quando Artur Couto e Santos se juntou à trupe, já tinha saído o Orlando Neves, e entrado Joaquim Furtado e José Fanha. Os textos nasciam do seguinte modo: a equipa se reunia e escolhia uma dúzia de temas para os programas seguintes, calendarizando-os. Depois, cada um ia para casa puxar pela cabeça. A meio da semana, se reuniam novamente, e entregavam os textos todos a Carlos Cruz (o chefe), que procedia à sua leitura e escolha, tanto dos que iriam ser lidos como daqueles que iriam para o lixo, quer porque achasse não terem qualidade suficiente, quer porque não se sentia muito confortável ao lê-los. No domingo de manhã, na Rádio Comercial, quase todos os elementos da equipa lá estavam apoiando o chefe naquelas três horas (e com uma multidão de fiéis ouvintes do lado de cá, bebendo as palavras e rindo, rindo...)

Aqui seguem alguns exemplos saídos da pena de ACS (nota - para um entendimento completo, e uma vez que as frases foram escritas para serem ouvidas, elas deverão ser lidas em voz alta):
“- Um urso polar não é nada de especial. Se ainda fosse um urso voar!…
- Um esquilo levezinho não passa de um esgrama…
- Mas afinal, o leão ruge ou pó de arroz?…
- Se o cachorro estiver quente, primeiro búfalo e depois come-lo.
- Quando pintar a sua casa, dê a primeira demão, a segunda de pé e a terceira sentado.
- Deus escreve direito por linhas tortas. Deve ser difícil; por isso mesmo é Deus…
- De todas as linhas, as que eu prefiro são as Mane-linhas, as Car-linhas e as Pau-linhas…
- Mais difícil do que ler nas entrelinhas é escrever nas linhas, de modo a que se leia nas entrelinhas.
- No litoral, não se deve usar roupa interior.
- À hora do chá, use sempre tea-shirt
- Se o burro tem quatro patas, a pata tem quatro burras?
- Albardar um burro é fácil; aldrabar um burro é ainda mais fácil.
- Dois concursos e picos quantos concursos hípicos são?
- Sansão tinha toda a sua força nos cabelos. Foi isso que desiludiu Dalila.
- O provador de vinhos é o único profissional autorizado oficialmente a beber nas horas de serviço.
- Júlio César tinha sede de poder porque ainda não conhecia o gin tónico.
- Diana era a deusa da caça. Mais uma vez, a cedilha salvou a situação!
- Há quem crie fama e se deite na cama; há também quem crie fama porque se deita na cama…
- Tenha cuidado: um corpo celeste não tem nada a ver com o corpo da Celeste.
- E fique sabendo que o contrário de largo não é estreito - é ogral.
- Quando um homem se vira do avesso é uma vergonha - vê-se-lhe tudo…
- A diferença entra aranha e aranhiço é…iço.
- Foi Diogo Cão quem disse: “Eu sou o melhor amigo do homem!”
- Primeiro, partiram as naus. Depois, deitaram os pedaços ao mar.
- A galinha dos ovos de ouro tinha um rico rabo…
- Quando o céu é de chumbo, os aviões amolgam-se.
- Pedra preciosa foi a que David atirou a Golias.
- Era um vigarista tão requintado que vendeu gato por lebre e o freguês, quando chegou a casa com o frango, assou o peru, convidou os amigos e, ao provarem o pato, todos acharam que sabia a faisão”.


Mais uma vez, esclareço que as informações e frases acima foram descaradamente copiadas daqui.

terça-feira, janeiro 06, 2004

Não é propriamente a Itapoã do Poeta, mas está um fim de tarde magnífico aqui à beira-Tejo (e este não é à beira-mágoa...).
A outra margem do rio é uma mancha difusa, recortada contra um céu que se vai tornando alaranjado. O sol entra direto no meu gabinete e cola a minha sombra contra a parede. Aqui no player vai rodando Yann Tiersen, com a sua "Comptine d'une autre été". Um cacilheiro atracado aguarda passageiros, baloiçando docemente nesta tarde sem vento.
O sol agora se vai escondendo atrás dos ramos nus de algumas árvores, que ainda teimam em manter algumas folhas, certamente na dúvida se é o Inverno ou já é a Primavera.
A janela, aberta de para em par, não traz o frio. Mas traz o ruído do tráfego que parece rodar em desespero.
Agora, também o rio vai tomando a cor ao céu e varia entre o dourado e o cinza-azulado. Mas sempre brilhante.
Um cacilheiro largou e outro já tomou seu lugar. Lentamente, vai riscando o rio. Pouco a pouco, esse traço se perde nas pequenas ondas que parecem embalar algumas aves que descansam sobre as águas.
O sol ainda não se escondeu, mas é uma larga mancha de cor laranja que se vai espalhando nas nuvens altas.
Elis canta "Mucuripe". Mas por aqui, não há velas, apenas cacilheiros.
Lá fora, começam a se acender os candeeiros.
O fim de tarde se vai tornando início de noite...
Agora, rodam os Archive com "Last five"...

sexta-feira, janeiro 02, 2004

Estréia



Para acabar o ano em beleza, nada como estrear uma livraria.
Livraria nova, perto de casa, entre a Gulbenkian e a já saudosa Librairie Française (com o seu encerramento, ficámos todos um pouco orfãos. Todos? Bem, quem tinha interesse em obras produzidas/editadas em França, ou em clássicos a preços bem mais simpáticos que aqueles que por aqui se vão praticando...) merecia uma segunda visita.
Claro, foi aqui, neste espaço blogosférico, que primeiro soube da sua existência. Quem passa na Avenida Miguel Bombarda, pode não se aperceber deste pequeno ninho (ninho porque é nos ninhos que surge a vida, e cada livro é uma nova vida...). Sem montra para o exterior, é apenas uma porta que se abre para a rua. É, pois, uma livraria discreta. Livraria Clepsidra. Preferia que fosse Clepsydra, em memória ao poeta Camilo Pessanha. Poeta este que, durante muitos anos, foi para mim apenas nome de rua, ali bem perto da Avenida do Brasil. Rua esta onde morava meu primo, companheiro de muitas brincadeiras e descobertas. Mas voltando ao poeta, só na adolescência ele nasceu para mim. Toda a sua obra se condensa nessa "Clepsydra". "Chorai, arcadas do violoncelo...". Mas agora não é hora do Pessanha. Em frente.
Entrei, pois, na Clepsydra (fica mesmo assim, neste jeito arcaico...), pela segunda vez. Hoje (bem, nesse dia), me senti bem mais confortado. Já não vi as prateleiras tão vazias. E, para mim, é desconfortável ver prateleiras vazias. Vazias de livros, claro.
A livraria não é muito grande. E não me parece que o seu objectivo seja vender "best-sellers". Creio que em seus objetivos está outro tipo de público. Como agora se diz, procuram um "nicho de mercado". Daí o equilíbrio entre a venda de livros novos e de livros em segunda mão. Mas que não se confunda esta livraria com um sebo! Com sorte, poderão aqui ser encontradas obras que já nem constem do catálogo da editora.
Meus olhos foram perambulando por entre as prateleiras, por entre as lombadas. Por vezes, puxava de um livro, abria, folheava, buscava o índice, folheava de novo, fechava, arrumava de novo no lugar.
Mas estrear uma livraria não é apenas entrar, olhar e sair. É também comprar. Depois da inclinação natural, senti-me "empurrado" a comprar o último romance de Mário de Carvalho: "Fantasia para dois coronéis e uma piscina", publicado pela Caminho. E me senti empurrado por Pedro Mexia, pela crítica que ele publicou no Diário de Notícias. Crítica esta resumida na edição do mesmo jornal de 30 de Dezembro: "Notável exercício de estilo e ironia, este romance exibe todas as reconhecidas qualidades de Mário de Cravalho, reelaborando de forma brilhante a noção de «realismo». (...) Além do mais, o retrato que traça desta nossa ditosa pátria palradora é implacável, dorido e justíssimo". (fim de citação)
Na minha primeira visita a esta livraria, se escutava Sérgio Godinho e seu "Irmão do Meio", onde algumas das suas músicas são revisitadas e reconstruídas com a ajuda de amigos de ambos os lados do Atlântico. (Paralelamente, se discutia a importância da voz do SG no contexto musical português. Putz! Para um dos melhores poetas de canções nacional, a voz é apenas um meio, não o fim...). Hoje (bem, nesse dia 31 de Dezembro), silêncio. Vencendo a minha timidez e comentando se não havia música, logo me foi dito que a aparelhagem estava com um pequeno problema. Felizmente, logo foi solucionado. E o som que surgiu me fez recuar vários anos. Até aos inícios dos
(neste momento, enquanto escrevo, vai passando uma moça na rua, de cabelo vermelho e de papagaio verde empoleirado no ombro. E não me parece ser a reencarnação do Long John Silver pois não tem perna de pau...)
anos oitenta (ou ainda final dos setenta?). Programa de rádio: "Pão comanteiga". Um dos melhores já alguma vez feitos nesta terra. Herbie Hancock tocava. Estou trauteando a música neste momento, mas não dá pra perceber, né?
O "Pão comanteiga", programa de rádio, deu ainda origem a dois livros, com alguns dos textos criados e lidos no programa, e a uma revista, que se aguentou, se bem me lembro, por pouco mais de um ano. Se esfuma em minha memória o nome dos constituintes deste projeto, mas não devo estar muito errado se falar em Carlos Cruz, Mário Zambujal, Bernardo Brito e Cunha (o BBC), Rolo Duarte (pai do Pedro Rolo Duarte), José Duarte (a voz mais importante do Jazz em Portugal e que pode ser encontrado aqui), José Fanha. Prometo em breve confirmar se esta lista está correta ou não...
Mas estou me desviando...
Ao som de Herbie Hancock paguei e me despedi, desejando um bom ano, que chegaria passadas algumas horas.
Assim, espero que comprar um livro, numa livraria nova, no último dia do ano, seja um bom augúrio para o ano que agora começa...
E como dizia o Rick: “Louis, I think this is the beginning of a beautiful friendship.”