Revolução
Estes dias de Abril me modificam. Continuo ainda com esta questão Evolução vs. Revolução. E socorro-me de duas crônicas, uma publicada por Vital Moreira (VM) e que descobri a conselho do Barnabé, e outra de Nuno Severiano Teixeira (NST). Da primeira, transcrevo o primeiro parágrafo:
A meu ver, só a ignorância histórica, o preconceito ideológico ou o interesse político é que pode contestar a natureza revolucionária do 25 de Abril de 1974. Foi uma revolução em todos os sentidos da palavra: na ruptura "ilegal" com o regime em vigor e na inauguração de uma nova era política; na conversão espontânea e imediata de um pronunciamento militar em genuína revolução popular, com maciças movimentações sociais; nas profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais que desencadeou. Deste ponto de vista, o 25 de Abril compara-se favoravelmente com a revolução liberal (1820-1834) e representa uma ruptura muito mais profunda do que a revolução republicana de 1910, que não implicou mudanças económicas e sociais tão intensas. Basta recordar o fim da ditadura e a instauração das liberdades e da democracia; o termo da guerra colonial e a independência das colónias; o fim do nacionalismo e abertura ao exterior, que haveria de culminar com a adesão à então CEE; o fim do centralismo autoritário e o estabelecimento da autonomia local e regional; a abolição do corporativismo e a mudança das relações de trabalho e das relações económicas; as nacionalizações e a reforma agrária e a consequente nova ordem económica (mesmo se posteriormente metamorfoseada pela contra-reforma agrária e pelas privatizações); as radicais transformações nas relações sociais, na família, na emancipação da mulher, nos costumes; a implementação dos direitos sociais, nomeadamente o direito à segurança social e à saúde (designadamente o SNS), bem como a democratização da educação e da cultura.
Sigo com NST, ao refletir sobre as “Políticas da Memória” (título de sua crônica) e a polêmica sobre a Revolução que perdeu o erre:
O debate é tonto, embora o slogan que lhe deu origem - Abril é Evolução - seja tudo menos inocente. Vale a pena, por isso, que nos entendamos sobre os seus objectivos e o seu significado. O debate tem confundido, frequentemente, dois planos que são distintos: o da História, que é uma questão de ciência, e o da memória, que é uma questão de política. No plano da História, a questão não tem qualquer sentido. E não tem sentido porque, pura e simplesmente, não existe. Os historiadores e os cientistas políticos, familiarizados com a literatura sobre os processos de democratização, sabem bem que a democratização portuguesa conheceu dois momentos distintos, ambos fundamentais para a democracia em Portugal. A transição, entre 1974 e 1976, que, ao contrário da generalidade das outras transições democráticas, se caracterizou pela sua especificidade revolucionária. E a consolidação, que, a partir de 1976, se integrou no modelo geral a que Huntington chamou da «Terceira Vaga».
A transição operou-se por ruptura. Por ruptura, nas elites, e por irrupção maciça, na participação popular. Ruptura na esfera política, mas também na esfera económica e social. As lutas em torno do modelo político institucional foram acompanhadas por uma redistribuição brutal e compulsiva dos rendimentos e da propriedade que a Reforma Agrária e as nacionalizações concretizaram. Mas também e, simultaneamente, pela democratização do ensino, a criação do serviço nacional de saúde e do welfare State, com a institucionalização do salário mínimo, das férias e a universalização das reformas. E nem mesmo a dimensão internacional escapou à ruptura revolucionária. Foi ela que pôs fim à guerra colonial e permitiu a descolonização.
Não há dúvidas. Revolução é Revolução. Mas (continuo com NST…)
. Mas nada disto é o que está em causa no debate sobre o 25 de Abril. Porque o que se discute não é a História. É a memória. E é aí que está o não dito. As comemorações não são um acto inocente. Pelo contrário, são um acto político. De política da memória. Uma política que reactualiza a oposição entre a memória individual e a memória colectiva e em que o poder político que comemora se apresenta como o legítimo herdeiro daquilo que comemora. Mais, em que se assume como o intérprete legítimo da memória colectiva. É isso que está em causa no 25 de Abril: a apropriação da memória. A direita contra-revolucionária nunca teve dúvidas de que o 25 de Abril foi uma revolução. Pelo contrário, acentuou-lhe o carácter revolucionário para se demarcar dela. A esquerda também nunca teve dúvidas. O 25 de Abril era património seu e apropriou-se da sua memória. Há depois um centro-direita e por via da coligação uma direita envergonhada, hoje no poder, que se sentem excluídas dessa memória e que se querem apropriar dela. Abril é Evolução é só isso: um instrumento de apropriação da memória.
Neste espaço de amnésia, o que se discute é a memória. E porque ainda há memória, em muitos dos outdoors onde se inscreve o slogan “Abril é Evolução” ao lado de cravos “warholianos”, há quem escreva o erre omitido…
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