terça-feira, novembro 30, 2004

Angels in America


Eu deveria estar prepararando o meu trabalho para amanhã, mas decidi escrever sobre "Angels in America".
É uma surpresa. Primeiro, pelo tema. Depois, pelo tom. Finalmente, pela qualidade. E agora sim, por último, por ser feito para televisão. Afinal, há mais para além do Big Brother...
Já é a segunda vez que passa aqui na TV (no canal com menor audiência, é certo) e hoje quase que comecei a ver desde o início. Da sua primeira passagem, só apanhei algumas metades. Não creio que consiga ver muito mais nesta segunda passagem (conto vingar-me quando for editado em DVD...) mas, nesta nova "re-edição" o fascínio se manteve.
A cidade é Nova Iorque. O ano é 1985 e a AIDS está surgindo para o mundo, ainda colada a homossexuais e drogados. E é a um homossexual, que vive com seu companheiro, que surgem os primeiros vestígios: as lesões do sarcoma de Karposi. É a morte anunciada que vai estabelecer o frágil (des)equilíbrio do par.
Aqui se misturam gays, judeus, mormons, gays judeus, gays mormons, advogados, poder, doença, morte... e anjos.
E alucinações e sonhos. Que se misturam e visitam mutuamente. Para se fazerem revelações.
Os diálogos não são diretos, não são simples. Melhor, não são simplistas. Nos vão deixando suspensos das palavras e envolvendo naquelas vidas, naqueles personagens.
As referências podem parecer rebuscadas mas não são gratuitas. Exemplo: estendido no sofá, vemos aquele a quem foi diagnosticado o sarcoma dormitando, com uma biografia de Cocteau sobre o peito. O livro não está ali por acaso porque na cena seguinte, a preto e branco, ele está entrando por um corredor iluminado por candelabros. Estes candelabros estão suspensos das paredes, empunhados por mãos humanas, que lhe vão permitindo a passagem. Como no palácio do Monstro do filme de Jean Cocteau, "La Belle et la Bêtte" (filme que me deixou fascinado da primeira, e única, vez que vi e que me irei oferecer neste NataL...). Ao fundo do corredor, já a cores, um "boudoir", onde ele, travestido como se fosse a Gloria Swanson do "Cepúsculo dos Deuses", pede ao senhor DeMille para começar... A cena depois evolui e entra uma outra personagem que, na sua alucinação de "valium", entra num sonho alheio... e onde recebe e faz revelações. E uma frase (do sonhador): "I usually say 'Fuck the truth', but it's usually the truth that fucks you..."
Da primeira passagem recordo que a morte estará sempre presente. Bem como os anjos e os fantasmas, reais para quem os vê.
Parece um produto televisivo atípico: não é dramático, tipo "caixa de Kleenexes no braço do sofá", mas tem humor, sem ser uma comédia. É amargo, com um tempero de ironia. Tem excelentes atores, que aqui se mantêm excelentes (Al Pacino, Meryl Streep, Emma Thomson, só para referir aqueles que eu mais facilmente identifico). Tem uma boa fotografia e a banda sonora cria bem o clima.
Espero não perder o segundo episódio... que parece que vai ser já amanhã!

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