sexta-feira, janeiro 02, 2004

Estréia



Para acabar o ano em beleza, nada como estrear uma livraria.
Livraria nova, perto de casa, entre a Gulbenkian e a já saudosa Librairie Française (com o seu encerramento, ficámos todos um pouco orfãos. Todos? Bem, quem tinha interesse em obras produzidas/editadas em França, ou em clássicos a preços bem mais simpáticos que aqueles que por aqui se vão praticando...) merecia uma segunda visita.
Claro, foi aqui, neste espaço blogosférico, que primeiro soube da sua existência. Quem passa na Avenida Miguel Bombarda, pode não se aperceber deste pequeno ninho (ninho porque é nos ninhos que surge a vida, e cada livro é uma nova vida...). Sem montra para o exterior, é apenas uma porta que se abre para a rua. É, pois, uma livraria discreta. Livraria Clepsidra. Preferia que fosse Clepsydra, em memória ao poeta Camilo Pessanha. Poeta este que, durante muitos anos, foi para mim apenas nome de rua, ali bem perto da Avenida do Brasil. Rua esta onde morava meu primo, companheiro de muitas brincadeiras e descobertas. Mas voltando ao poeta, só na adolescência ele nasceu para mim. Toda a sua obra se condensa nessa "Clepsydra". "Chorai, arcadas do violoncelo...". Mas agora não é hora do Pessanha. Em frente.
Entrei, pois, na Clepsydra (fica mesmo assim, neste jeito arcaico...), pela segunda vez. Hoje (bem, nesse dia), me senti bem mais confortado. Já não vi as prateleiras tão vazias. E, para mim, é desconfortável ver prateleiras vazias. Vazias de livros, claro.
A livraria não é muito grande. E não me parece que o seu objectivo seja vender "best-sellers". Creio que em seus objetivos está outro tipo de público. Como agora se diz, procuram um "nicho de mercado". Daí o equilíbrio entre a venda de livros novos e de livros em segunda mão. Mas que não se confunda esta livraria com um sebo! Com sorte, poderão aqui ser encontradas obras que já nem constem do catálogo da editora.
Meus olhos foram perambulando por entre as prateleiras, por entre as lombadas. Por vezes, puxava de um livro, abria, folheava, buscava o índice, folheava de novo, fechava, arrumava de novo no lugar.
Mas estrear uma livraria não é apenas entrar, olhar e sair. É também comprar. Depois da inclinação natural, senti-me "empurrado" a comprar o último romance de Mário de Carvalho: "Fantasia para dois coronéis e uma piscina", publicado pela Caminho. E me senti empurrado por Pedro Mexia, pela crítica que ele publicou no Diário de Notícias. Crítica esta resumida na edição do mesmo jornal de 30 de Dezembro: "Notável exercício de estilo e ironia, este romance exibe todas as reconhecidas qualidades de Mário de Cravalho, reelaborando de forma brilhante a noção de «realismo». (...) Além do mais, o retrato que traça desta nossa ditosa pátria palradora é implacável, dorido e justíssimo". (fim de citação)
Na minha primeira visita a esta livraria, se escutava Sérgio Godinho e seu "Irmão do Meio", onde algumas das suas músicas são revisitadas e reconstruídas com a ajuda de amigos de ambos os lados do Atlântico. (Paralelamente, se discutia a importância da voz do SG no contexto musical português. Putz! Para um dos melhores poetas de canções nacional, a voz é apenas um meio, não o fim...). Hoje (bem, nesse dia 31 de Dezembro), silêncio. Vencendo a minha timidez e comentando se não havia música, logo me foi dito que a aparelhagem estava com um pequeno problema. Felizmente, logo foi solucionado. E o som que surgiu me fez recuar vários anos. Até aos inícios dos
(neste momento, enquanto escrevo, vai passando uma moça na rua, de cabelo vermelho e de papagaio verde empoleirado no ombro. E não me parece ser a reencarnação do Long John Silver pois não tem perna de pau...)
anos oitenta (ou ainda final dos setenta?). Programa de rádio: "Pão comanteiga". Um dos melhores já alguma vez feitos nesta terra. Herbie Hancock tocava. Estou trauteando a música neste momento, mas não dá pra perceber, né?
O "Pão comanteiga", programa de rádio, deu ainda origem a dois livros, com alguns dos textos criados e lidos no programa, e a uma revista, que se aguentou, se bem me lembro, por pouco mais de um ano. Se esfuma em minha memória o nome dos constituintes deste projeto, mas não devo estar muito errado se falar em Carlos Cruz, Mário Zambujal, Bernardo Brito e Cunha (o BBC), Rolo Duarte (pai do Pedro Rolo Duarte), José Duarte (a voz mais importante do Jazz em Portugal e que pode ser encontrado aqui), José Fanha. Prometo em breve confirmar se esta lista está correta ou não...
Mas estou me desviando...
Ao som de Herbie Hancock paguei e me despedi, desejando um bom ano, que chegaria passadas algumas horas.
Assim, espero que comprar um livro, numa livraria nova, no último dia do ano, seja um bom augúrio para o ano que agora começa...
E como dizia o Rick: “Louis, I think this is the beginning of a beautiful friendship.”

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