quinta-feira, janeiro 29, 2004

Lost...



Num momento de rara disponibilidade, consegui ir ao cinema no último sábado. E que filme ver? Depois de tantas recomendações indiretas (jornais, revistas e blogs), a escolha pareceu-me óbvia: "Lost in Translation". Ou "O Amor é um lugar estranho" (Portugal). Ou "Encontros e desencontros" (Brasil). Ou “Dois Americanos em Tóquio” na proposta de João Lopes (crítico de cinema e de imagens).

Com um Bill Murray (Bob) parecendo interpretar o papel de "Bill Murray goes to Tokyo". Com a jovem Scarlett Johansson (Charlotte) como a desconhecida (e que para mim se encaixa perfeitamente, pois não me recordava de a ter visto anteriormente. Engano. Já a tinha visto no “The Horse Whisperer”, com o Robert Redford e a Kristin Scott Thomas) que o encontra.

Porquê “perdido na tradução” (título original)? Esse é o primeiro choque de Bob (personagem de Murray) quando, quer durante as filmagens do comercial ou durante a sessão fotográfica, depois de ouvir longos discursos em japonês, vê tudo resumido a uma simples e pequena frase. Ou quando uma pequena frase sua se transforma num longo discurso da sua tradutora. Questão (que se apercebe na sua expressão): o que é que se perdeu nesta tradução? O que é que eu deveria saber e não sei?

É um filme de náufragos. Que o são e não sabem. E é normalmente num bar de hotel que se reúnem os despojos dos náufragos que ainda conseguem chegar à praia.

Um filme de sensibilidade e de sensibilidades: da realizadora, dos atores, do público.

Dois casamentos. Ambos perdidos (os personagens e os casamentos). Ambos agindo como se fossem estranhos numa terra estranha. Tudo parece deixar de fazer sentido, exceto aquelas duas pessoas, quando se encontram. E que certamente nunca se cruzariam se não tivessem naufragado em Tóquio...

Duas solidões (das piores solidões, daquelas que nos obrigam a ficar conncosco e a entender, finalmente, que afinal não sabemos onde estamos).

O momento do encontro de ambos é desencontrado. Primeiro, é Bob, no elevador, que encontra Charlotte. Mais tarde, é Charlotte, no bar, que encontra Bob. E é também no bar que Bob é encontrado pela cantora de serviço (e eu acho que os cantores de bar de hotel são deprimentes e que as músicas de bar de hotel são deprimentes, qualquer que seja a música, qualquer que seja o hotel, qualquer que seja o país). Esse encontro com a cantora conduz a relação entre Bob e Charlotte a um outro patamar (ou não?). E permite a Charlotte, durante um almoço (daqueles que não correm muito bem), “agredir” Bob com algumas frases irónicas (como se a ironia habitual em Bill Murray cedesse lugar à de Scarlett...).

Música. Já falei da música deprimente do bar do hotel. Falo agora do karaoke. Essa cena define a situação de ambos: numa primeira música cantada por Bob (que eu não consegui identificar), este parece se confessar perdido; com o “Brass in Pocket” (dos Pretenders), Charlotte seduz; finalmente, com o “More than this” (Brian Ferry), Bob se rende.

O final... não, não vou falar sobre o final.

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