domingo, junho 13, 2004

Fernando


Sendo hoje dia 13 de Junho, não poderia deixar em branco o nascimento, neste dia, de um génio: Fernando Pessoa. De seu nome completo Fernando Antonio Nogueira Pessoa, o Antonio surge precisamente por haver nascido em dia de Santo Antonio, santo do coração de todos os lisboetas (sim, porque o padroeiro de Lisboa é São Vicente, correndo este ano 1700 anos sobre o seu martírio).
Não vou dizer mais sobre o Poeta (muito foi dito já, muito mais irá ser dito ainda). Mas deixo aqui um conjunto de poemas, não publicado na revista "Orpheu 3".

"ALÉM-DEUS


I

ABYSMO

Olho o Tejo, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E subito isto me bate
De encontro ao devaneando -
O que é ser-rio, e correr?
O que é estal-o eu a ver?

Sinto de repente pouco,
Vacuo, o momento, o logar.
Tudo de repente é ôco -
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo - eu e o mundo em redór -
Fica mais que exterior.

Perde tudo o ser, ficar,
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéa, alma de nome
A mim, á terra e aos céus...

E subito encontro Deus.


II

PASSOU

Passou, fóra de Quando,
De Porquê, e de Passando...,

Turbilhão de Ignorado,
Sem ser turbilhonado...,

Vasto por fóra do vasto
Sem ser, que a si se assombra...

O universo é o meu rasto...
Deus é a sua sombra...


III

A VOZ DE DEUS

Brilha uma voz na noute...
De dentro de Fóra ouvi-a...
O' Universo, eu sou-te...
Oh, o horror da alegria
D'este pavor, do archote
Se apagar, que me guia!

Cinzas de idéa e de nome
Em mim, e a voz: O' mundo,
Sêrmente em ti eu sou-me...

Mero echo de mim, me innundo
De ondas de negro lume
Em que pra Deus me afundo.


IV

A QUEDA

Da minha idéa do mundo
Cahi...
Vacuo além de profundo,
Sem ter Eu nem Alli...

Vacuo sem si-proprio, chaos
De ser pensado como ser...
Escada absoluta sem degraus...
Visão que se não pode ver...

Além-Deus! Além-Deus! Negra calma...
Clarão de Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido...


V

BRAÇO SEM CORPO BRANDINDO UM GLADIO

Entre a arvore e o vel-a
Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela
Deus?... E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horisonte...

Entre o que vive e a vida
Pra que lado corre o rio?
Arvore de folhas vestida -
Entre isso e Arvore ha fio?
Pombas voando - o pombal
Está-lhes sempre á direita, ou é real?

Deus é um grande Intervallo,
Mas entre quê e quê?...
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Erro-me... E o pombal elevado
Está em torno na pomba, ou de lado?"

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