domingo, julho 04, 2004

Sophia



2 de Julho de 2004. A partir deste dia, o correr dos dias deixa de registrar a sua presença junto a nós.
Mas suas palavras permanecerão connosco.
Neste momento, apenas dois poemas, ambos retirados de "O Búzio de Cós e outros poemas", de 1997.

"ARTE POÉTICA

A dicção não implica estar alegre ou triste
Mas dar minha voz à veemência das coisas
E fazer do mundo exterior substância da minha mente
Como quem devora o coração do leão

Olha fita escuta
Atenta para a caçada no quarto penumbroso"



"DEUS ESCREVE DIREITO

Deus escreve direito por linhas tortas
E a vida não vive em linha recta
Em cada célula do homem estão inscritas
A cor dos olhos e a argúcia do olhar
O desenho dos ossos e o contorno da boca
Por isso te olhas no espelho:
E no espelho te buscas para te reconhecer
Porém em cada célula desde o início
Foi inscrito o signo veemente da tua liberdade
Pois foste criado e tens de ser real
Por isso não percas nunca teu fervor mais austero
Tua exigência de ti e por entre
Espelhos deformantes e desastres e desvios
Nem um momento só podes perder
A linha musical do encantamento
Que é teu sol, tua luz, teu alimento"

Sophia de Mello Breyner Andresen

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