quarta-feira, outubro 17, 2007

Stranger than fiction.
Acabei agora de ver este filme: "Stranger than fiction".
Não foi planeado, tal como hoje já não pensava ligar este portátil.
Mas vi o filme e senti a necessidade de partilhar o prazer de o ter visto.
A ideia é ótima: o personagem de um romance descobre que é um personagem ao escutar a voz off da narradora enquanto escova os dentes. Isso o assusta. A sua vida banal, monótona, rotineira (se pode imaginar algo mais rotineiro e monótono que vida de funcionário das Finanças, fazendo auditorias de quem não cumpre seus deveres fiscais) começa a se alterar. Claro. Só essa mudança faz sentido para que surja o livro...
Consulta primeiro uma psiquiatra que lhe diagnostica esquizofrenia (óbvio, quem ouve vozes dentro da cabeça é esquizofrénico, não é não?), mas isso não o deixa satisfeito, pois a voz que ouve, de mulher, é de uma narradora.
Acabei de ver o filme o filme mas não me recordo em que momento é que a narradora diz que ele vai morrer e não sabe. A partir daqui, é o momento da morte que o preocupa. Quando irá morrer?
Creio que é aqui que ele decide consultar um Professor de Literatura que o tenta enquadrar, enquanto personagem, numa estória. Eliminando hipóteses, mas sem chegar a conclusão alguma, há que tentar classificar se se trata de uma tragédia ou de uma comédia.
Parece que eu estou contando todo o filme. Talvez sim.
Bem. Ele vivia sózinho. Entretanto, tem de fazer uma auditoria a uma pasteleira que se recusou a pagar 22% do imposto anual. O primeiro confronto estabelece a relação de ódio dela por ele.
Num segundo momento, voltando para consultar a documentação dos últimos três anos, parece começar a atração, quando no final do dia ela lhe cozinha biscoitos.
Ele se alegre porque parece uma comédia.
Afinal, talvez tenha sido depois deste momento que ele ouve a narradora falar da sua morte.
Continuando.
Sabendo da morte próxima, e estando a viver na casa de um colega porque, por engano, haviam tentado demolir a sua casa, pergunta-lhe o que faria se em breve fosse morrer. Colocando a questão de forma hipotética, lhe dá o poder de ser invisível.
- Se fosse invisível e soubesse que ia morrer, iria para um acampamento espacial.
- Acampamento espacial?
- Sim, sonho com isso desde os nove anos?
- Mas não passou já a idade?
- Nunca é tarde para um acampamento espacial...
Recorda então o seu sonho de tocar guitarra. E compra um Fender Stratocaster. Não uma nova, mas aquela que o "chamou"...
E uma noite vai ter com a moça dos biscoitos e lhe leva um tabuleiro com vários pacotes de farinha, cada uma diferente da outra.
- Porquê?
- Bem, porque a desejo.
- O quê?
- Desejo-a.
Seguem então até casa dela. A coisa poderia rolar ou não, mas ela está curiosa.
No final do jantar, ele descobre que ela tem um violão.
- Toca?
- Oh, muito mal, foi o pagamento em troca de um bolo de noiva. E você?
- Só uma música, que ainda estou aprendendo.
- Toca pra mim.
- Não, ainda não sei bem.
E enquanto ela lava a loiça, começa a ouvir a voz dele na sala, cantando.
E a coisa rolou.
Indo ter com o Professor, acreditando ser uma comédia, este se prepara para lhe dar uma lista de autores vivos que poderiam estar escrevendo a sua vida.
Ele então vê na televisão a autora. O Professor diz que não pode ser, porque ela não escreve há mais de dez anos e nos seus livros, tragédias, o herói morre sempre. Olhando para o livro que o Professor lhe mostra, vê a editora e corre tentando obter o contato dela. Não conseguindo, volta ao seu escritório onde consegue encontrar, num processo antigo de auditoria, o telefone dela.
Não havendo linha, nem tendo rede para o celular, corre para um orelhão.
E enquanto a autora escreve que o telefone toca, ele toca na casa dela. Ela se surpreende. E escreve de novo que o telefone toca. E no ponto final, o telefone toca. Ela parece assustada. E escreve uma terceira vez que o telefone toca. E suspende o gesto de teclar o ponto final. E quando carrega na tecla, o telefone toca de novo. E ela se levanta, corre para a sala, e atende. E ouve o seu personagem. E se assusta.
Ele vai depois ter a casa dela.
Ele vai lhe dizer que não quer morrer.

Não sei se devo continuar a revelar o resto do filme...
Certamente, há um motivo para eu ter sentido este impulso de escrever agora.
Os atores me supreenderam. Will Ferrell, o herói, e que eu sempre associei a filmes idiotas, está excelente. Praticamente, nunca sorri. Transmite quase sempre uma sensação de melancolia e tristeza (que não são sinônimos...). A moça dos biscoitos é Maggie Gyllenhaal. O Professor é Dustin Hoffman e a escritora é Emma Thompson.
Achei mágico o momento em que autora e personagem se encontram. O momento em que a autora sente o poder da vida ou da morte, o poder da palavra. O poder que cria e que destrói. E onde sente que já não apenas a sua vontade que pode decidir o final.
E gostei da relação entre o herói e a moça dos biscoitos.
Aquela música que ele toca e que faz com que a coisa role é de Wreckless Eric, "Whole Wide World".

Depois deste momento de partilha, já posso ir dormir...

Sem comentários: