quinta-feira, julho 29, 2004

Um divertimento



Deparei-me há dias com um divertimento musical. É um projeto e o nome do CD: “Nouvelle Vague”. “New Wave” em francês…
Uma dúzia (mais uma) de músicas já com (céus!) cerca de 20 anos recriadas num estilo electro-bossa-jazz, no espírito “antenniano” do “Camino del Sol” (também dessa altura).
Joy Division (“Love will tear us apart), Depeche Mode (Just can´t get enough), The Cure (A forest), XTC (Making plans for Nigel), The Clash (Guns of Brixton), Dead Kennedys (Too drunk to fuck) são alguns dos grupos e temas recriados.
A idéia não é nova, basta lembrar o Señor Coconut e a sua tradução em ritmos latinos de temas dos Kraftwerk. Mas o resultado é igualmente gostoso. Claro que os puristas poderão torcer o nariz e soltar invectivas a tamanho abuso, mas perdoa-se a “profanação” dos temas e das memórias que eles nos trazem pelo ambiente que agora recriam…

terça-feira, julho 27, 2004

Aniversário



Já se passou um ano e eu nem dei conta...

Canícula


Praça de Espanha. 09:15. 30º C.
Praça de Espanha. 18:45. 35º C.

E neste fim de tarde, o cheiro a madeira queimada.
Este país continua a arder...

domingo, julho 25, 2004

Pés



Hoje, me lembrei de falar sobre pés. E isto porque gosto de andar descalço.
Ninguém espere encontrar aqui referências a fetiches. (Fetiche. Palavra engraçada, esta. De origem, é uma palavra portuguesa: feitiço. Importada pelos franceses, se transformou em “fetiche”. Reintroduzida para esta nossa língua, ganhou autonomia e a especificidade de algo que se transforma de “operativo” (feitiço) em “objeto” (fetiche), com conotações mais ou menos sexuais).
Também ontem vi uma notícia sobre o restauro da estátua de David, retirada da pedra por Miguel Ângelo há já algumas centenas de anos. E apresentavam a foto daquele pé enorme…
Depois, porque me faz confusão ver quem use havaianas com salto! Realmente, os pés e respectivo calçado podem dizer muito sobre a cultura dos povos.
Recordo que quando estive em Helsínquia, capital da Finlândia, me causou espanto um sinal junto a umas escadas rolantes: era um daqueles sinais de proibição (redondo, com bordadura a vermelho e risca oblíqua também vermelha) onde, a negro, mostravam um pé descalço. Entre outros sinais, havia ainda um outro de proibição de utilização por quem calçasse patins em linha. Vendo esse sinal, passei a ficar mais atento. Porquê o pé descalço? (Aqui nesta cidade, numa livraria – desenhada por Alvar Aalto, famoso arquiteto – encontrei uma moça que falava português! Em nenhuma livraria daqui vou encontrar alguém a falar finlandês...) E comecei a ver pessoas andando descalças pelas ruas. E não tinham botas ou sapatos a tiracolo para calçar depois. Não. Dava a idéia de que tinham saído de casa assim mesmo. E não pareciam ter problemas financeiros! Era opção mesmo. Apesar de ser um país escandinavo (para mim, Escandinávia é sinônimo de frio…), enquanto estive em Helsínquia (era Junho), a temperatura foi sempre muito agradável. E nessa altura, com tanta gente de celular pendurado no ouvido, até parecia que estava em Lisboa! Mas voltando aos pés, estar ou não calçado é, mais do que comodidade, uma questão de cultura.
Não faz muito tempo (e para mim, dizer “há trinta anos” está nesta categoria), especialmente nas zonas rurais daqui, todo o mundo andava descalço. Sapato era apenas colocado como manifestação de respeito pelo lugar aonde iam ou da pessoa com quem iam falar. Me recordo que quando visitava meus primos (no sítio), eles andavam sempre descalços. Só se calçavam pra ir à cidade ou para a escola. Eu, menino da cidade, fiz uma vez a experiência. As pedrinhas do caminho faziam doer meus pés. Mas eu fui resistindo. O problema era dar alguma topada numa pedra!
Depois, me lembrei da “História Trágico-Marítima” e do naufrágio de Sepúlveda (ou, por extenso, “Relação da mui notável perda do galeão grande S.João, em que se contam os grandes trabalhos e lastimosas coisas que aconteceram ao capitão Manuel de Sousa Sepúlveda e o lamentável fim que ele e sua mulher e filhos e toda a mais gente houveram na Terra do Natal, onde se perderam a 24 de Junho de 1552”). Recordava eu que a mulher havia morrido de vergonha por, simplesmente, ter ficado descalça. Fui confirmar. Leitura feita meio na diagonal, verifiquei que ela morreu de vergonha sim, mas por ter ficado nua. “(...) E vendo-se D.Leonor despida, lançou-se logo no chão, e cobriu-se toda com os seus cabelos, que eram muito compridos, fazendo uma cova na areia, onde se meteu até à cintura, sem mais se erguer dali. (...)”
Pés. Temos que tratar bem deles, para que eles não nos deixem ficar mal...

Choram guitarras



23 de Julho. Carlos Paredes libertou-se do corpo que encasulava o seu génio há cerca de dez anos. Choram guitarras.

É pena que a TV apenas se lembre de seus arquivos quando os ilustres deixam este lado dos vivos. Desde ontem, a RTP repescou antigos shows com e de homenagem a Carlos Paredes. Para além disso, vai passando pequenos clips. E nesses, pequenas pérolas. Especialmente uma, com cerca de trinta anos, em que Chico Buarque canta o seu “Fado Tropical” acompanhado por Paredes e Carlos Moniz (em violão). Causa arrepio...

domingo, julho 04, 2004

Sophia



2 de Julho de 2004. A partir deste dia, o correr dos dias deixa de registrar a sua presença junto a nós.
Mas suas palavras permanecerão connosco.
Neste momento, apenas dois poemas, ambos retirados de "O Búzio de Cós e outros poemas", de 1997.

"ARTE POÉTICA

A dicção não implica estar alegre ou triste
Mas dar minha voz à veemência das coisas
E fazer do mundo exterior substância da minha mente
Como quem devora o coração do leão

Olha fita escuta
Atenta para a caçada no quarto penumbroso"



"DEUS ESCREVE DIREITO

Deus escreve direito por linhas tortas
E a vida não vive em linha recta
Em cada célula do homem estão inscritas
A cor dos olhos e a argúcia do olhar
O desenho dos ossos e o contorno da boca
Por isso te olhas no espelho:
E no espelho te buscas para te reconhecer
Porém em cada célula desde o início
Foi inscrito o signo veemente da tua liberdade
Pois foste criado e tens de ser real
Por isso não percas nunca teu fervor mais austero
Tua exigência de ti e por entre
Espelhos deformantes e desastres e desvios
Nem um momento só podes perder
A linha musical do encantamento
Que é teu sol, tua luz, teu alimento"

Sophia de Mello Breyner Andresen