terça-feira, dezembro 02, 2003

as palavras surgem porque a tela está em branco. só. e porque o sol brilha lá fora. as árvores ainda têm algumas folhas mas pouco falta para que a sua nudez seja completa. e essa nudez que também é morte, afinal é vida. é morte que é apenas sono. e com despertar previsto para quando o frio for embora. estou agorinha ouvindo Jeff Buckley. Hallelujah. a transfiguração de uma música original de Leonard Cohen. é a voz de um morto. é a voz da morte. mas afinal voz da vida porque a estou escutando neste momento. e eu não estou morto (aparentemente, pois é isso que meus sentidos indiciam). e vejo esta luz de Lisboa. luz construída diretamente pelo sol e indiretamente por seus raios refletidos no Tejo. luz feita de céu e rio. o azul do céu parece pálido, enregelado, como querendo guardar o calor que o sol vai emprestando a Dezembro. e os barcos sulcando o rio parecem ainda espalhar mais esse calor que se encerra na luz e se multiplica em mil reflexos. como se à superfície do rio boiassem cristais facetados e estes fossem leves como o ar, subindo lentamente e pairando. pairando e esperando que alguém pegue neles e os guarde na palma da mão, fechada em concha. mão que apenas se vai abrir quando o olhar de um amante encontrar outro olhar que com o seu se cruze. então, num momento que não é momento pois vive fora do tempo, olhos nos olhos, abrindo essa mão, deixando pairar o segredo que aí se encerrava, todas as palavras não ditas serão entendidas.

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