segunda-feira, dezembro 01, 2003

Perambulagem



Vadiando com Paul Auster por Nova Iorque. Vadiando comigo por Lisboa.
Não conheço Nova Iorque . Com Auster tenho a sensação de conhecer. A sensação, apenas, que se desvanece quando fecho o livro. Mas enquanto leio lá vou seguindo pela Broadway até Rua 72, virando depois para a parte ocidental de Central Park e indo pela Rua 59 até à estátua de Colombo para ir novamente para o lado oriental e caminhando ao longo da zona sul de Central Park até Madison Avenue, cortando à direita e descendo até à Grand Central. Tudo fica bem real, "but I just can´t picture the thing..."

Vadiando comigo por Lisboa. Perambulando comigo por Lisboa. Perambular. Palavra bonita, não é? Perambular... menos agreste que vadiar. Perambular nos dá logo a idéia de perda, de perda do sentido que o nosso rumo vai tomando. E esta palavra não entrou no meu léxico há muito tempo. E agora, antes do texto, perdi muito tempo até me lembrar de novo como era mesmo a palavra. Me lembrei antes de escrever e depois esqueci. Amnésia... Tive que me socorrer do Houaiss e, na letra “p”, pacientemente, fui vendo qual a palavra que se encaixava naquele buraco da memória que de repente me havia feito perder a palavra. E fui vendo a quantidade de palavras bonitas que nós temos e não usamos mais. E depois, quando não lembramos a palavra certa, pegamos numa qualquer palavra estrangeira e passamos a usar. Porque se tornou moda. Por esnobismo. Por preguiça. Por desleixo? Os franceses agora estão eliminando a “contaminação” de estrangeirismos. Uma das últimas que eu vi foi a transformação de email em courriel (courrier electronique). Em português como ficaria?

Mas estou perdendo meu rumo... Hoje perambulei um pouco. Pelo Chiado. A minha colina preferida de Lisboa. Deixando o Tejo atrás, subi pela Rua do Alecrim. Já conheci esta rua com mais vida. Agora, alguns dos prédios estão entaipados, "graffittados", talvez destelhados para melhor apodrecerem com a chuva e cairem dentro de um ou dois invernos. É uma das formas de Lisboa mudar: deixar ruir os prédios mais antigos... Ao mesmo tempo, num espaço que eu sempre conheci livre (teve em tempos recuados alguns edifícios mas, ou tiveram o normal destino dos prédios que aqui se diluem quando chove, ou foram mesmo demolidos), surgem novas construções.

Continuo a subida. Chego ao Largo do Barão de Quintela. Um pequeno largo bem simpático. Aqui, uma estátua de Eça de Queiroz. No “seu” Chiado. Afinal, paralela à Rua do Alecrim, está a Rua das Flores, palco de um de seus romances (A Tragédia da Rua das Flores) já publicado postumamente. Bem postumamente, aliás... Do lado direito, um palacete, que pertenceu em tempos ao... Barão de Quintela. Atualmente, pertence ao IADE, Instituto de Arte e Design. Tem um interior bem interessante, tendo algumas salas completamente cobertas de frescos. Mas voltando ao Eça, ou melhor, à sua estátua, uma curiosidade. Há pouco tempo, a prefeitura teve que substituir a anterior, de mármore, por esta que, creio, é de bronze. Razão? Viviam quebrando os dedos da Verdade... Explicando melhor. A estátua é composta por duas figuras: uma figura feminina, quase desnuda (a Verdade) e outra masculina (Eça). A legenda da estátua é “Sobre a nudez forte da Verdade, o manto diáfano da Fantasia”.

Continuo a subir e chego ao Largo de Camões. Bem, o Largo é à esquerda e eu estou agora entre duas igrejas. No topo poente do Largo de Camões, uma enorme tela cobre um edifício em recuperação. Nessa tela, a reprodução de um dos quadros mais conhecidos de Almada Negreiros: o retrato de Fernando Pessoa, sentado a uma mesa, com seu cigarro, uma chávena de café e os números da revista Orfeu. Viro à direita, e vou descendo. Se virasse novamente à direita, poderia ir ter ao Teatro de São Carlos, o teatro lírico de Lisboa. E foi nesse Largo de São Carlos que nasceu Fernando António Nogueira Pessoa, a 13 de Junho (dia de Santo Antônio, daí o António em seu nome) de 1888.
Mas não virei à direita, fui descendo. Passei a Casa Havaneza, fundamental para quem quiser comprar bom tabaco e charutos, por exemplo. À minha direita, uma estátua do poeta que dá nome a este largo: o poeta Chiado. E na esplanada da Brasileira, antigo lugar de tertúlias, mais uma estátua. Esta, de Fernando Pessoa. Aqui, muitos turistas aproveitam para tirar suas fotos. Porquê? Em tamanho natural, temos o Poeta, sentado a uma mesa da esplanada, tendo a seu lado uma cadeira vazia. Nessa cadeira vazia, muitos aproveitam para se sentar e se eternizar...

Entro na Brasileira e bebo um café. Saio. Continuo descendo a Rua Garrett. Os antigos armazéns que por aqui existiam, morreram. Já não vendem tecidos a metro nem trazem as últimas novidades da moda de Paris. Agora, pertencem a grandes marcas internacionais, como a Benneton.
Passo mais uma igreja e, numa esquina, uma livraria que vai resistindo aos séculos: a Livraria Bertrand. Entro. Sala após sala, vou vendo as novidades. Passo uma sala, e outra e outra. E mais outra e mais outra. Vou vendo os livros e vou folheando. Hoje, nenhum me quer. Saio sem comprar nada.

Antes de continuar a descer, páro um pouco. Para além do edifício dos Grandes Armazéns do Chiado, agora transformado em shopping e em hotel, ainda se vê um pouco das muralhas do Castelo de S. Jorge.
Continuo a descer. Agora, este pedaço da rua é só para pedestres. E, surpresa, alguém toca piano. Na rua! Não será bem na rua, mas sim numa viatura trasnformada. A caixa de ressonância do piano é o próprio veículo, que está cheio de almofadas e de almofadões. Eis a prova de que se pode ouvir um piano em plena rua...

Agora, minha perambulação já tem um objetivo: a FNAC. Deixou de ser perambulação. E por aqui pára meu texto...

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