domingo, agosto 17, 2003

Saravá!!! Aviso rápido! Estou em ambiente de quase zero tecnológico... Logo que possível, voltarei as dar notícias.

quinta-feira, agosto 07, 2003

Livrarias


Entro numa livraria. Lambo lombadas com os olhos. Lambuzo as lombadas com o olhar. Pego num livro. Capa, contracapa, badanas. Não me seduz. Avanço mais uma prateleira. Repito os gestos. Capa, contracapa, badanas. Abro ao acaso e leio. Sem apelo. Nenhum livro me seduz. Nenhum livro me quer. Como um náufrago, me sinto perdido. Abandonado. Devo ter um ar patético, no meio da livraria e olhando em redor. Hoje, ninguém me quer. Sim, porque não somos nós que encontramos o livro, é o livro que marca encontro connosco. Mais um título. Não, este também não. Desisto. Acho que hoje, eu mesmo vou ter que inventar o livro que quero ler...

quarta-feira, agosto 06, 2003

Dragões


No tempo em que os cavaleiros percorriam os caminhos montados em seus corcéis, no tempo em que nem sempre havia caminhos, no tempo em que os perigos se anteviam com o coração e se combatiam de espada na mão, a Terra era habitada por dragões.
Nas montanhas mais altas, no mais profundo das florestas, protegidos por nuvens e brumas, os dragões nasciam e cresciam em liberdade.
Por vezes, durante o dia, os pastores observavam seu voo nos céus.
Por vezes, durante a noite, os pastores julgavam ouvir seu rugido na floresta.
E contavam estórias. E contavam-se estórias de como esses dragões atacavam seus animais, de como dizimavam seus rebanhos.
Os dragões nada sabiam dessas estórias.
Alguns cavaleiros, desses de coração puro e corcel branco, pernoitavam junto desses pastores. E ouviam suas estórias de dragões. E se impressionavam com essas estórias de dragões. E prometiam luta a esses dragões.
Os pastores se entreolhavam e sorriam.
E os cavaleiros partiam.
Estação após estação, os pastores olhavam o céu. E já não viam dragões.
Estação após estação, os pastores olhavam a noite. E já não ouviam a floresta rugir.
E os pastores se começaram a contar estórias de como cavaleiros, de corcel branco e espada na mão, haviam derrotado os dragões. Todos os dragões. Todos?
A norte, muito a norte, onde os pastos vão rareando, onde os pastores vão rareando, onde as noites são longas, onde as noites são muito longas, há quem afirme ver nos céus os reflexos multicores do sol que arde no centro da Terra batendo nas longas asas dos últimos dragões...

terça-feira, agosto 05, 2003

Muntanya Màgica


Certos locais, um pouco por todo o mundo, parcem ter características mágicas. Energias ou vibrações são libertadas ou guardadas em certos locais. Esses locais são procurados e mais ou menos venerados pelo Homem desde tempos imemoriais. Normalmente, determinadas formações geológicas, como sejam aquelas que se destacam no terreno, reunem essas características. Surgem então as "Montanhas Mágicas" (e não me refiro ao romance de Thomas Mann que, confesso, nunca li). No Rio, temos o Corcovado. Perto de Lisboa, a Serra de Sintra é outro exemplo. A cerca de 30 Km de Barcelona, temos Montserrat.

A zona onde Barcelona está localizada não é propriamente plana. A cidade parece estar, até, rodeada de montanhas. Mas há uma que se destaca das demais: Montserrat. A partir do vale do rio Llobregat ergue-se uma massa sedimentária consolidada, até uma altitude superior a mil e duzentos metros. São "dedos" que se erguem para o céu e onde está instalada uma abadia, onde se presta culto a Nossa Senhora de Motserrat, padroeira da Catalunha. Para católicos e não católicos, Montserrat é também um símbolo de resistência ao centralismo de Madrid. Como muitos outros locais (se não me engano, Portugal incluído) a montanha está protegida pela influência do Arcanjo S.Miguel.

Como se chega aqui? De automóvel é uma maneira. Mas ainda tem que se andar um pedaço desde o estacionamento até à Abadia. De trem, a partir da estação de Sans. Depois, saindo não lembro em que estação, se toma um teleférico (a que chamam aeri) ou, a partir de Monistrol (um pouco mais à frente), a Cremallera. Como o nome indica, é um pequeno trem que sobe (e desce,claro) apoiado em carris e numa cremalheira, que o ajuda a vencer o grande desnível entre a gare de Monistrol (pequena aldeia de ar meio abandonado mas que com a recuperação deste equipamento talvez comece a ver dias melhores...) e o terreiro do santuário (assim ao jeito do Trem do Corcovado). O términus da cremallera é quase em frente da entrada da Abadia. Existem depois várias opções. Visitar a Abadia, prestando homenagem à Virgem de Montserrat, colocando-se na fila que sobe até à imagem da Virgem (colcada atrás e acima do altar), de cor negra, que tem o Menino ao colo, também ele negro. Chegar com a antecedência suficiente (antes da uma da tarde) para, juntamente com os outros fiéis, escutar a Escolanía (já mencionada por Afonso X, o Sábio, no século XIII em algumas das suas canções dedicadas a Montserrat) cantar o Virolai. (Para quem souber ler uma pauta musical, aqui e aqui podem ver poema e música.) Encher-se de coragem e fazer todo o percurso que leva até à Cova onde a imagem foi encontrada pela primeira vez (e onde está também uma imagem da Virgem). Subir no Funicular San Joan, até um local que fica um pouco mais acima da Abadia, e fazer depois a descida a pé (ou no mesmo funicular). Para os desportistas, há a hipótese de fazer escalada. Os caminhos nas rochas estão bem marcados pelas argolas (será esse o nome técnico?) lá deixadas.

Muitas contruções abandonadas indicam que já houve mais vida, mais actividade (espiritual ou não) por entre estes rochedos, mas parece haver um movimento de reanimação de toda a zona. Para quem quiser fazer um retiro espiritual, aqui tem todas as condições. E no Inverno, este deve ser um local bem fresquinho... Agora, Montserrat está assim. Num outro momento, houve quem tenha encontrado um rosto nas formações rochosas de Montserrat. Mas qualquer sítio mágico é assim. O Feng Shui ou os geomantes podem explicar melhor estas coisas.


Catalunha não é apenas Barcelona...
Incêndios. Atualização: 11 mortos, 54 mil hectares ardidos, 100 mil pessoas sem electricidade.

segunda-feira, agosto 04, 2003

O Fogo


Estou quase me sentindo como o cara que deixou de escrever porque cada vez que ele tinha uma idéia, zás!, via que o José Saramago havia tido idéia igual e já havia publicado o romance. Depois de várias inspirações, que ele considerava já terem sido roubadas pelo nobelizado escritor, decidiu colocar-se frente à casa de Saramago, disfarçado como o personagem do romance seguinte que ele idealizava escrever. Desse jeito, queria provar que era Saramago que lhe roubava as idéias e não o contrário...

Esta introdução para falar sobre o fogo. Não é que o Veríssimo pegou no mesmo tema? A única variação está no ponto de vista. Também eu gosto de ruminar cogitações olhando pro fogo. Também eu gosto de ter meu fogo portátil na ponta de um cigarro ou na fornalha no cachimbo. Mas agora, olhando para as manchetes dos jornais, é sobre o fogo-inferno que quero escrever.
Sobre o fogo que não conhece fronteiras e as atravessa com o sopro do vento.
Sobre o fogo que nasce e se recusa a morrer enquanto não consumir quilômetros e quilômetros de mato e floresta.
Sobre o fogo que parece se vingar sobre aqueles que o combatem e mata aqueles que não têm hipótese de o fazer ou de fugir.
Sobre o fogo que destrói habitações isoladas ou entra por aldeias e vilas.
Sobre o fogo que reduz uma vida de trabalhos e canseiras a cinzas e fumo.
Sobre o fogo que as lágrimas do desespero da perda e da impotência no seu combate não conseguem apagar.
Sobre o fogo que parece rugir.
Sobre o fogo que, de dia, quer obscurecer o sol com o seu fumo.
Sobre o fogo que, na noite, se quer substituir ao sol com a sua luz.
Sobre o fogo que cala o cantar dos pássaros e das cigarras.
Sobre o fogo que transforma o verde-esperança em negro-morte.


Sobre o fogo que, de inocente, (alguns) homens teimam em transformar em assassino...


(Em Portugal Continental, nos últimos dias, já morreram nove pessoas, quer no combate aos incêndios, quer alcançadas por estes. Centenas foram deslocadas. Um paiol e uma central termoelétrica estiveram em perigo. Marrocos e Itália já enviaram meios de apoio aéreo. Mais de três mil bombeiros já estiveram em atividade. Até 27 de Julho, já haviam ardido mais de 26 mil hectares de floresta (mas ainda longe dos mais de 124 mil que haviam ardido o ano passado). Já foram encontradas algumas bombas incendiárias, provando a origem criminosa de alguns destes incêndios. Parece que o Governo se prepara para declarar esta uma "situação de calamidade".)

domingo, agosto 03, 2003

Ao que parece, o 1º de Agosto de 2003 ficará na história das temperaturas registradas em Portugal Continental, desde que estes começaram a ser feitos há mais de cem anos: um pouco mais de 47ºC na Amareleja, Alentejo. Em Beja, 45ºC e Lisboa "apenas" com 42ºC. Associando-me ao calor, vou escutando música da Jamaica: reggae na sua versão dub... não estou em Kingston mas o calor ajuda a imaginar.

De acordo com uma citação de Somerset Maugham que li num jornal, ando muito "out" de sexto sentido. Na referida citação ele afirma que "o dinheiro é como um sexto sentido, sem o qual não se pode fazer uso pleno dos outros cinco"...

Les Sardanes


Barcelona. A Catedral. Domingo de manhã. A caminho do terreiro frente à catedral, uma música meio estranha faz-se escutar. A temperatura está elevada. A sombra que a catedral lança sobre o terreiro parece que se vai recolhendo, empurrada que é pelo sol que brilha alto. E vê-se gente dançando. Uma dança de roda. Uma, duas, três rodas. Não mais. Sem sombra, o exercício torna-se difícil. E não são novos, os bailarinos. Um ou outro adolescente, mas praticamente tudo gente com mais de cincoenta. Alguns nos seus setenta. Homens e mulheres. Que bailam? Sardanas...

Todos os domingos pela manhã, junto à Catedral, no espaço fronteiro à sua entrada e, alguns degraus abaixo, no largo que está completamente vedado ao trânsito, grupos de pessoas de todas as idades se reunem para dançar. Podem ser amigos de longos anos ou perfeitos desconhecidos, mas todos podem fazer parte da roda. Dão-se as mãos e dançam. Ao som de um conjunto musical muito específico a que dão o nome de cobla, em saltinhos vão desenvolvendo os seus passos.
Considerada a dança nacional dos catalães, sendo aparentemente simples, a dança requer que um elementos da roda a conduza, isto é, que conte os compassos, de modo a conhecer em que pé deverão finalizar o trecho que dançam e em que pé devem começar o seguinte. Sem descer a muito pormenor, todas as sardanas são compostas de 10 trechos (tirades), sendo 2 curtos (8 compassos cada), 2 longos (16 compassos cada), 2 curtos e 4 longos. Esta indicação de curtos e longos prende-se pois com os compassos e os passos dos bailarinos em cada um desses trechos. Diz-se que qualquer um entra quando quer, mas só pode sair no final da música.

Os meus conhecimentos musicais são limitados, de modo que me limito a transcrever a composição de uma cobla: temos um flabiol-tambor (o flabiol, espécie de flauta de som agudo, tocada apenas por uma mão, é o invariável convite à dança, ficando a outra mão reservada para tocar o tambor que marca o ritmo e vai introduzindo os diferentes temas melódicos), dois tibles, duas tenoras, dois trompetes, dois fiscornes e um contrabaixo. A tenora é o instrumento solista e é uma espécie de oboé, bem como os tibles. Estas coblas são compostas por homens e mulheres, de idades variadas, podendo nós ver adolescentes tocando ao lado de anciãos. Domingo a domingo, as coblas vão variando. Desconheço se se limitam à região de Barcelona ou se vêm mesmo de toda a Catalunha.

Para terminar, um poema de Joan Maragall sobre as Sardanas:

"La sardana és la dansa més bella
de totes les danses que es fan i es desfan;
és la mòbil, magnífica anella
que amb pausa i amb mida va lenta oscillant.

Ja es decanta a l'esquerra i vacilla,
ja volta altra volta a la dreta dubtant,
i se'n torna i retorna intranquilla
com mal orientada agulla d'imant.

Fixa's un punt i es detura com ella...
Del contrapunt arrencant-se novella
de nou va voltant.
La sardana és la dansa més bella
de totes les danses que es fan i es desfan."


A dança acabou, mas Barcelona continua...

sexta-feira, agosto 01, 2003

Rambleando


Les Rambles - as Ramblas - que suavemente descem (subindo, já não parecem tão suaves...) desde a Plaça de Catalunya, podem ser descritas como uma longa avenida, com uma larga faixa central para os passantes/passeantes, uma faixa para o trânsito de cada lado e novamente a calçada para os passantes. Cada troço das Ramblas tem uma "especialização": logo no início, bancas de jornais e revistas, seguem-se depois as bancas das floristas e mais abaixo as bancas dos animais. Aqui, podem comprar-se periquitos, canários, gatos, cães, coelhos, galinhas, peixes, répteis, gaiolas... depois, bem, depois já estava cansado e apanhei o Metrô na estação Liceu. Aqui, do lado direito, está o Gran Teatre del Liceu, teatro lírico que ardeu há bem pouco tempo (acho que em '94) mas que já está completamente recuperado. Montserrat Caballé (alguém se recorda do dueto com Freddy Mercury nas Olimpíadas de Barcelona?) e Josep Carrerras (assim mesmo, Josep e não Jose, pois ele é catalão, o Carrerras dos Três Tenores...) já passaram por aqui várias vezes. Eventualmente (e isto eu não sei) por aqui se terão estreado...

Saindo na estação seguinte, Drassanes, apanhamos o troço final das Ramblas. Esta zona, já perto do porto, tem sido remodelada nos últimos 20 anos. Como qualquer zona tradicional junto a um porto, aqui se concentravam bares e botecos de má fama, por aqui andavam as prostitutas que, como as sereias de Ulisses, iam caçando seus marinheiros (e outros navegadores da noite...). Depois de muita discussão, depois de muita contestação, muitos edifícios foram demolidos, outros recuperados, adquirindo esta zona uma outra fauna. A especialização nesta Rambla é em artesanato e vias alternativas para as tribos urbanas. Descendo mais um pouco em direcção ao mar, se ergue a coluna onde está Colom (também há quem o chame de Colombo...), cerca de 60 metros acima da praça . Todo o mundo brinca com a estátua porque ela está apontando prá Líbia, no norte de África, e não para o Novo Mundo. Vai ver, ele está pontando mesmo é para a China, onde ele julgava ter chegado (grande navegador esse, que nem sabe onde chegou...)

Temos de seguida a zona do porto onde atracam paquetes e ferrys que fazem ligação com as ilhas Baleares (Ibiza, Mallorca, Menorca e Formentera) e onde também se encontra uma marina. A Rambla del Mar liga depois à zona onde está o shopping Mare Magnum, o cinema Imax e o Oceanário.

Voltando atrás, e antes de ir beber água à Font des Canalets, voltei a entrar no metrô para sair no Liceu. À direita de quem sobe, nos embrenhamos no Barri Gòtic. Por aqui, a catedral, várias igrejas, o edifício da Generalitat (aonde assisti a um concerto de carrilhão), o Museu Picasso, entre outras coisas de interesse. Ruas estreitas e sinuosas. Lojinhas tradicionais, lojas "fashion", sebos, antiquários.Por aqui se bebe o melhor (digo eu) café de Barcelona (Xocolatería La Xicra),e há o melhor chocolate do mundo (dizem os barceloneses). Já esqueci (pois este blog não é Amnésia?) o nome de um "shopping" muito interessante, mas creio que é "El Mercadillo". De um edifício para habitação recuperado, nasceu uma zona comercial para as tribos urbanas. Logo na entrada, um dromedário em fibra assinala que o que se segue sai fora do comum. Dance music (techno e trance) servem de banda sonora ao local. Num pequeno jardim interior são servidos "entrepans" (sanduíches), "amenides" (saladas) e outras coisitas... Quem não usar piercings ou tatuagens se sente desenquadrado...

Regressando às Ramblas, passamos para o lado esquerdo. Por aqui, o CCCB (Centre de Cultura Contemporània de Barcelona) onde há alguns anos vi uma exposição sobre Fernando Pessoa. Ótima exposição! Ainda aqui, o Mercat de la Boqueria. Um grande mercado, sob uma grande estrutura de ferro forjado (finais do século XIX). Muita cor, muita higiene, muita organização, muita variedade de (quase) tudo.

Continuando a subida, ainda se vêem lojas com decoração Arte Nova, grande imagem de marca de Barcelona, cujo grande expoente é Antoní Gaudí (2002 foi Ano Gaudí). Até que chegamos à Font des Canalets. Na subida, se vão observando "estátuas vivas", músicos de rua, um casal que dança tango, saídos direto de uma Buenos Aires de imaginário... Aqui pelas Canalets, sempre que o Barça é campeão dalguma coisa, se reunem os "culé" (os aficionados do Barcelona). Como curiosidade, esta cidade é a única em toda a Espanha onde existe um time de futebol que se chama Espanyol. Criado no tempo do fascismo, durante a ditadura franquista, tinha como objectivo afrontar os nacionalistas catalães. Atualmente, e em termos comparativos, o número de sócios é cerca de um terço ou um quarto dos sócios do Barça.

Bebida a água na Font, metrô na Plaça de Catalunya. Várias linhas se cruzam aqui. Um quinteto de cordas, na "praça central" que dá acesso às diversas gares, toca as "Quatro Estações", de Vivaldi. Bons músicos. Acústica excelente. No metrô, a gare parece um forno. A plataforma é estreita. Bancos ao longo da parede. Uma grande tela de plasma, entre linhas, debita publicidade. Entramos na carruagem e é a transição para um freezer... Bem, mas é mesmo assim que funciona a sauna...

E aqui termina a minha "rambleação" (ou rambleació...). Mas Barcelona continua...