segunda-feira, agosto 04, 2003

O Fogo


Estou quase me sentindo como o cara que deixou de escrever porque cada vez que ele tinha uma idéia, zás!, via que o José Saramago havia tido idéia igual e já havia publicado o romance. Depois de várias inspirações, que ele considerava já terem sido roubadas pelo nobelizado escritor, decidiu colocar-se frente à casa de Saramago, disfarçado como o personagem do romance seguinte que ele idealizava escrever. Desse jeito, queria provar que era Saramago que lhe roubava as idéias e não o contrário...

Esta introdução para falar sobre o fogo. Não é que o Veríssimo pegou no mesmo tema? A única variação está no ponto de vista. Também eu gosto de ruminar cogitações olhando pro fogo. Também eu gosto de ter meu fogo portátil na ponta de um cigarro ou na fornalha no cachimbo. Mas agora, olhando para as manchetes dos jornais, é sobre o fogo-inferno que quero escrever.
Sobre o fogo que não conhece fronteiras e as atravessa com o sopro do vento.
Sobre o fogo que nasce e se recusa a morrer enquanto não consumir quilômetros e quilômetros de mato e floresta.
Sobre o fogo que parece se vingar sobre aqueles que o combatem e mata aqueles que não têm hipótese de o fazer ou de fugir.
Sobre o fogo que destrói habitações isoladas ou entra por aldeias e vilas.
Sobre o fogo que reduz uma vida de trabalhos e canseiras a cinzas e fumo.
Sobre o fogo que as lágrimas do desespero da perda e da impotência no seu combate não conseguem apagar.
Sobre o fogo que parece rugir.
Sobre o fogo que, de dia, quer obscurecer o sol com o seu fumo.
Sobre o fogo que, na noite, se quer substituir ao sol com a sua luz.
Sobre o fogo que cala o cantar dos pássaros e das cigarras.
Sobre o fogo que transforma o verde-esperança em negro-morte.


Sobre o fogo que, de inocente, (alguns) homens teimam em transformar em assassino...


(Em Portugal Continental, nos últimos dias, já morreram nove pessoas, quer no combate aos incêndios, quer alcançadas por estes. Centenas foram deslocadas. Um paiol e uma central termoelétrica estiveram em perigo. Marrocos e Itália já enviaram meios de apoio aéreo. Mais de três mil bombeiros já estiveram em atividade. Até 27 de Julho, já haviam ardido mais de 26 mil hectares de floresta (mas ainda longe dos mais de 124 mil que haviam ardido o ano passado). Já foram encontradas algumas bombas incendiárias, provando a origem criminosa de alguns destes incêndios. Parece que o Governo se prepara para declarar esta uma "situação de calamidade".)

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