segunda-feira, junho 30, 2003

Amor



Gostaria eu de ter um amor, um Amor, vivo, a quem pudesse dizer este soneto.
E na poesia, o soneto, aparentemente tão espartilhante na sua
construção, pode ser, pela sua contenção
e limites, um espaço de liberdade.




Vinicius será talvez um dos melhores poetas de língua portuguesa,
se não de sempre, pelo menos do último século.



Eis, pois, o Soneto de Fidelidade que, curiosamente, foi escrito em Portugal
(no Estoril, perto de Lisboa, em Outubro de 1939. Céus! Tão
antigo mas ainda tão fresco...)



"SONETO DE FIDELIDADE




De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.



Quero vivê-lo em cada vão momento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.



E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama



Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure."



As palavras de Vinicius são mel na boca de um homem, quando este
diz seus poemas a uma mulher... e não resisto a mais um poema:




"POEMA PARA TODAS AS MULHERES



No teu branco seio eu choro.

Minhas lágrimas descem pelo teu ventre

E se embebedam do perfume do teu sexo.

Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado


Confuso, criança para te conter!

Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza,
não!

Ah, não abandones a tua boca à minha inocência,
não!


Homem sou belo

Macho sou forte, poeta sou altíssimo

E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade e tem
mil e uma portas.

Ai! teus cabelos recendem à flor da murta


Melhor seria morrer ou ver-te morta

E nunca, nunca poder te tocar!

Mas, fauno, sinto o vento do mar roçar-me os braços

Anjo, sinto o calor do vento nas espumas

Passarinho, sinto o ninho nos teus pêlos...


Correi, correi, ó lágrimas saudosas

Afogai-me, tirai-me deste tempo

Levai-me para o campo das estrelas

Entregai-me depressa à lua cheia


Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a iluminação
das odes, dai-me o cântico dos cânticos

Que eu não posso mais, ai!

Que esta mulher me devora!

Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha, quero o colo
de Nossa Senhora!"




Ah! Tivesse eu alguém a quem amar, alguém a quem eu pudesse
olhar nos olhos e, pegando na sua mão, sussurar as palavras do
Poeta...





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