Músicas, músicas, músicas
As músicas também têm estações. Claro, existem as estações de rádio onde as podemos escutar, mas não estou me referindo a essas. Estou me referindo ao Inverno, à Primavera, ao Verão, ao Outono...
Assim, existem músicas de Outono/Inverno e músicas de Primavera/Verão. Podemos escutar músicas de Inverno em pleno Verão e vice-versa. As músicas não estão diretamente ligadas à estação do ano, mas sim à estação do nosso coração, à estacão do nosso interior, ao nosso "inner self"...
Mas que quero eu dizer com isto? Um exemplo prático e próximo da realidade (apesar das exceções): samba é música de Verão e Bossa Nova é música de Outono. As músicas de Inverno as ouvimos em momentos de maior intimidade, de maior solidão. E pode ocorrer uma de duas coisas: vamos em busca da música porque sentimos a necessidade de a conjugar com nosso estado de espírito ou é a própria música a induzir esse estado.
Mas porquê toda esta conversa agora? Ontem peguei numa fita ao acaso, que já havia gravado faz tempo. Como eu nunca coloco o alinhamento das músicas na cartolina, não sabia muito bem o que iria ouvir. A única indicação que tinha era o título que tinha na lombada (costumo dar título às minhas fitas, quando são gravadas com algum propósito): "Canções Atlânticas".
[como trilha sonora, enquanto escrevo, escuto Pink Floyd e o seu trabalho de 1975 (xi, como o tempo corre...) "Wish You Were Here"]
Música após música, senti o Inverno descer até mim. O frio chegando e a vontade de encontrar calor, aquele calor bom do Inverno, que se encontra junto a alguém, partilhando um cobertor, um bom chocolate quente, a visão de uma lareira com lenha crepitando. Das que ouvi, destaco desde logo uma música, dos Lamb: "Gorecki". Já "Merry Christmas, Mr Lawrence", de Riuichi Sakamoto é música outonal.
Mas as classificações “estacionais” de cada canção ou melodia dependem da sensibilidade de cada um. Para uns o Inverno pode ser Primavera ou Verão, para outros o Verão pode ser Outono ou Inverno. Depende da própria música, do primeiro momento em que ela é escutada, de outro momento em que ela é novamente escutada, de com quem ela é escutada e partilhada, de quem a dá a partilhar, de...
Pego agora emprestadas mais algumas palavras de Rob, o personagem principal de “Alta Fidelidade”:
“Vêem [ele fala assim direto com o leitor], os discos me ajudaram a ficar apaixonado, sem dúvida. Oiço algo novo, com uma mudança de acorde de derrete minhas entranhas, e antes que eu perceba estou procurando alguém, e antes que eu perceba encontro. Me apaixonei por Rosie (...) após me apaixonar por uma canção dos Cowboy Junkies: escutei escutei escutei, e ela me fez sonhador, e eu precisava de alguém com quem sonhar, e a encontrei, e... (...)”
E antes de acabar, as palavras de Roberto Damatta que utilizou como mote o último trabalho de Rod Stewart “The Great American Songbook” (que inclui composições deCole Porter, George e Ira Gershwin, Jerome Kern eDorothy Fields, entre outros):
“Não cabe analisar os motivos do cantor. Mas cabe, sim, falar do poder mágico dessas canções que traduziram tanto do seu tempo (...), quanto a tentativa de todos os artistas de capturar a nossa perene frustração diante da finitude, das agruras do esquecimento e da indiferença, o desejo inoportuno, o fato de que todos somos passageiros e que, em certos momentos, encontramos a companhia perfeita, descobrimos a sintonia certa e vivemos plenamente a magia do encantamento, da paixão e do amor.
Em contraste com a chamada «música erudita», a «música popular» leva à imitação. Muitos compositores, sobretudo os que produziam nos Estados Unidos, uma sociedade onde o sexo era reprimido por um puritanismo sufocante, tinham plena consciência de que suas canções eram veículos para todo o tipo de diálogo. Do que fala das banalidades do quotidiano (...) como prova de amor e, diríamos nós, de saudade (como na música These Foolish Things); à tentativa de reter o momento mágico da presença da pessoa amada em todo o seu brilho e beleza erótica (quando diz: no dia em que eu estiver terrivelmente deprimido e, como o grande Manuel Bandeira, com vontade de me matar, eu vou pensar na sua aparência nesta noite, como na música The Way You Look Tonight).
(...) Certas melodias têm tanta vida que obrigam à sua manifestação, mesmo pelos maus cantores. Eles não cantam nada, mas são, sim, cantados por essas grandes músicas.”
Boas músicas...
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