quinta-feira, setembro 11, 2003

Mar, poesia e Amizade


Este blog hoje era destinado a ser dedicado apenas ao mar. Mas o último texto da Cacau, ali no Ponto Gemini (podem lá chegar clicando no Ponto G, aqui ao lado...), e todos os comentários que esse texto gerou, levou-me a descobrir hoje, num livro de Ademar Ferreira dos Santos, poeta que publicou este ano, com 50 anos de idade, o seu primeiro livro de título "Descansando do Futuro [reserva de intimidade]", o prefácio de Rubem Alves. E transcrevo de seguida o início do prefácio, a parte que fala sobre a Amizade:
"Tardia mas felizmente a tempo eu e o Ademar nos descobrimos amigos. Aconteceu sem que nos tivéssemos encontrado. Tornamo-nos amigos através da poesia. Foi a palavra que nos ligou. Bernardo Soares disse que arte é comunicar aos outros nossa identidade íntima com eles. Foi assim: sem nunca nos termos visto descobrimos, através da palavra, nossa identidade íntima.
A amizade é uma experiência curiosa. Amigos não se fazem. Amigos são descobertos. E quando descobrimos um amigo temos a sensação de que já éramos amigos desde sempre. Entendemo-nos sem precisar explicar. Como se já soubéssemos... Nisso a amizade se parece com a experiência amorosa. Fernando Pessoa escreveu a mais bela declaração de amor jamais escrita. "Quando te vi amei-te já muito antes. Tornei a achar-te quando te encontrei..." A amizade é assim também. O encontro é um reencontro, a descoberta do que já havia. A amizade já existia, à espera..."

Lendo este pedacinho de texto, vejo porquê, tendo começado a medo, continuo blogando: a descoberta de amizades...
Mas pareceria mal transcrever parte do prefácio e não falar do poeta. Do poeta, pouco sei. Mas posso falar do livro, dividido em quatro partes: Epígrafes, Mumuki, Inconfidências e Confissões, Circunstâncias.
Agora, transcreverei apenas algumas das Epígrafes:

"De um lado o silêncio
do outro a palavra
No meio quê?"

"Se fugis permanentemente de vós
perguntai-vos
onde vos ireis encontrar?"

"Há ideias e modos de pensar
que prejudicam muito mais a saúde
do que o tabaco"

"Ninguém tem a chave para o interior de nós
perdida para sempre com o cordão umbilical
Agora estamos fechados por fora
à espera apenas de que nos espreitem"

"Começo onde acaba a tranquilidade
e termino onde o mar começa
Com o nome aspiro
a uma inquieta imensidão".

Agora sim, o Mar. Com Sophia...

"O Búzio de Cós

Este búzio não o encontrei eu própria numa praia
Mas na mediterrânica noite azul e preta
Comprei-o em Cós numa venda junto ao cais
Rente aos mastros baloiçantes dos navios
E comigo trouxe o ressoar dos temporais

Porém nele não oiço
Nem o marulho de Cós nem o de Egina
Mas sim o cântico da longa vasta praia
Atlântica e sagrada
Onde para sempre minha alma foi criada

Junho 95"

"Foi no mar que aprendi

Foi no mar que aprendi o gosto da forma bela
Ao olhar sem fim o sucessivo
Inchar e desabar da vaga
A bela curva luzidia do seu dorso
O longo espraiar das mãos de espuma

Por isso nos museus da Grécia antiga
Olhando estátuas frisos e colunas
Sempre me aclaro mais leve e mais viva
E respiro melhor como na praia"

"Harpa

A juventude impetuosa do mar invade o quarto
A musa poisa no espaço vazio à contra-luz
As cordas transparentes da harpa

E no espaço vazio dedilha as cordas ressonantes"

"Beira-mar

Mitológica luz da beiramar
A maré alta sete vezes cresce
Sete vezes decresce o seu inchar
E a métrica de um verso a determina
Crianças brincam nas ondas pequeninas
E com elas em brandíssimo espraiar
Em volutas e crinas brinca o mar"

E neste momento, com o céu noturno enluarado, onde Marte está namorando Selene, por aqui me fico...

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