Vinicius e Ney
Pegando nos comentários a meu blog do Cesariny, veio a memória dos "Secos & Molhados" e de Ney Matogrosso. E a minha primeira memória do grupo já tem quase 30 anos!... TV ainda a preto e branco e uma voz estranha. Mulher? Homem? Guri ainda, me causava confusão. Um homem cantando com aquela voz? Mas se era mulher, teria cortado os peitos? Eu ouvia, olhava, gostava, mas não entendia. E qual é a música na minha memória desse tempo?
A poesia é para ser dita ou para ser cantada. Creio que não há dúvida nisso. Lida fica meio sem graça porque um poema só está completo quando é escutado. Vinicius nos deu tudo: para além de escrever (claro!), disse seus poemas, cantou seus poemas, deu seus poemas a cantar. A poesia, com ele, era completa.
Pegando na música da memória, surge, pois,
"A ROSA DE HIROSHIMA
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Vinicius de Moraes"
Aproveitando ainda Vinicius, apenas mais um poema seu...
"A AUSENTE
Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à idéia dos meus
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranqüilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar..."
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